Bem produzida, a peça só precisa ficar um pouco mais enxuta

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 16.05.1999

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Festa mamulengueira revista

Escrita em 1951, Torturas de um Coração, de Ariano Suassuna, era uma peça para mamulengos que, seguindo o exemplo dos bonecos ingleses Punch e Judy, resolviam tudo na pancadaria. Coração Mamulengo, agora em temporada na Casa de Cultura Laura Alvim, é uma revisão do autor para o seu texto que chega ao palco já com a marca Suassuna de partir para uma história usando a simplicidade do mote. Se no Auto da Compadecida era “o não sei como é que foi, só sei que foi assim”, em Coração Mamulengo o herói Benedito já avisa desde o início que suas aventuras “quase dão certo”. Sem enganar o espectador, que espera pelo final feliz.

Na trama, Benedito disputa com o cabo Rosinha e Vicentão o amor de Marieta. A mocinha de vida nada comportada brinca com o amor de todos os pretendentes até se resolver com quem vai ficar. Mas a história de conquistas é só um pretexto para ressaltar as artimanhas de Benedito, uma espécie de Arlequim da commédia dell’arte que sempre se dá bem na sua astuta arte de enganar as pessoas. No caso do texto de Suassuna, como já estava avisado, o desfecho é “quase” feliz.

Para situar a história no estilo do teatro mamulengo, a diretora e também atriz Carmen Leonora criou um prólogo onde bonecos concebidos pelo artista Zé Lopes de Pernambuco – feitos a partir de fotos dos atores da peça – apresentam a trama que será representada pelos artistas de carne e osso. A boa ideia, no entanto, se perde em longos 20 minutos de pouca ação e muita fala. O melhor ainda está por vir.

Os atores da Cia. Estável de Humor – entre eles a própria Carmen Leonora (Marieta) e Mário Mendes (excelente como Benedito) atuando literalmente em um palco para bonecos com empanadas que permitem a entrada e saída de cena sem que o público veja o truque – usam ainda na apresentação o movimento dos bonecos do mamulengo. Tirando partido do humor picante dessa comédia de enganos, os atores, mesmo dialogando com o público infantil, acabam atingindo mais a plateia adulta, que pode compreender melhor os atalhos da história. E esta se delicia com o que está no palco.

Encenando anteriormente no Espaço Cultural dos Correios, numa sala ambientada que trazia o espetáculo, Coração Mamulengo ganhou distância prejudicial montada no palco sobre paco. Mesmo assim, os cenários e figurinos de Ney Madeira colorem com precisão o ambiente, e a luz de Djalma Amaral dá o toque dos teatrinhos ao ar livre à peça. Animando a festa mamulengueira, a música de Marco Aureh tem presença marcante.

Coração Mamulengo é um espetáculo bem produzido que poderia sofrer alguns cortes, principalmente no prólogo, para deixar a encenação mais enxuta.

Cotação: 2 estrelas (Bom)