Crítica publicada no Site do CEPETIN
Por Mônica Alvarenga – Rio de Janeiro – 13.05.2008
Dois espetáculos distintos
O teatro Infantil possui sem sombra de dúvida uma característica singular: o olhar complacente dos adultos que levam seus filhos, paga o ingresso e o estacionamento, acreditam estar fazendo uma boa escolha ao estar ali, e, acima de tudo, se esforçam para que o filho goste do programa; e o olhar implacável da criança, que alheio e descompromissado a todo este circo do passeio de final de semana, expressa sem reservas em alto e bom tom suas reações àquilo que vê no palco. Vale muito a pena observar as reações das crianças num espetáculo teatral. Quando a mágica demora por acontecer ou mesmo, quando ela não acontece, a criança se dispersa, se distrai e, sem reservas, opina sobre o que vê.
No espetáculo A Casa da Madrinha, a paixão pelo projeto está lá, visível e afirmada no folder distribuído. O empenho da montagem também transparece em seus elementos. O maior problema do espetáculo em cartaz no Teatro do Leblon é a famosa e discutida transposição do texto literário para o texto dramatúrgico. O próprio CEPETIN que abriga este comentário é um dos ícones atuais na luta pela divulgação, discussão e aprofundamento dos preceitos e conceitos que norteiam a dramaturgia da cena infantil contemporânea e, vale dizer que contemporâneo aqui tem o sentido de atual e não de linguagem especificamente.
O que vemos no palco do Teatro Leblon parece dois espetáculos distintos.
Um diz respeito à primeira metade do espetáculo, aquela que leva Alexandre, o personagem de Lygia, até A Casa da madrinha. O segundo seria aquele que se passa na Casa da madrinha. Na Casa da madrinha o que vemos é teatro.
Já no outro, o que vemos e ouvimos é a tentativa de uma adaptação literária que não encontra o fio de ação dramática para a transposição cênica das ideias contidas no texto literário. O mérito do texto original é indiscutível. O que nos leva a adaptar ou a querer adaptar uma história? Devemos pensar em termos práticos para saber se é viável e como faremos esta transposição. Peter Brook diz: uma palavra não começa simplesmente como uma palavra, ela é o produto final de um processo que começa num impulso, é estimulado por uma atitude, e por um comportamento, que por sua vez, ditam a necessidade de expressão.
Sabe-se que um texto dramático possui mais de uma linha de ação dramática. Entre elas a dos relacionamentos, do desenrolar dos eventos e a do desenvolvimento das ideias. Algumas linhas ajudam a historia a avançar, outras dão dimensão aos personagens e servem ao tema. Saber identificá-las é fundamental para uma adaptação. Ter a noção do equilíbrio em seu desenvolvimento para que a história não seja uma tentativa de dar conta das inúmeras informações contidas no texto original é necessário. Talvez por isso adaptar seja tão difícil. Como cortar uma obra boa? Como mexer e transformar um produto que por si só é perfeito? O palco exige essa postura e essa coragem. Ele tem suas próprias regras e apesar de imensamente gentil e cordial para com aqueles que o habitam, cobra uma atitude radical. É isto que acontece com toda a primeira metade do espetáculo. A história se arrasta, usando flashback, optando por contar o que aconteceu ao invés de mostrar.
Já na segunda metade do espetáculo o que vemos é outra coisa. Ela é bem resolvida do ponto de vista dramatúrgico. A solução cenográfica que dá vida a Casa é boa, criativa e cria a necessária magia tão buscada pelo menino Alexandre. A partir daí o espetáculo acontece. Pena que seja nos minutos finais.