O elenco tem brilho próprio na montagem de Cacá Mourthé

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 15.08.1998

 

Barra

Uma divertida pesquisa sem tom didático 

O título é bem sugestivo e traz à mente dos que tem idade e memória o tempo em que a telefonista era personagem – às vezes muito simpática, outras de uma intransigência insuportável – importante em nossas vidas. Antes do DDD, eram elas que, poderosíssimas, nos ligavam ou não com o outro lado da linha. Num código capaz de desafiar qualquer estratégia de guerra, deliciavam o ouvinte com afirmativas do tipo “O P.S. 1 não atende”. Mas isso tudo começou muito antes.

Número, faz Favor, peça de Cacá Mourthé e Eliana Caruso, em cena no Museu do telefone, é o espetáculo que dá seguimento ao projeto Peça do Museu, iniciado com Tudo Por Um Fio, também dirigido por Cacá Mourthé, que contava como Graham Bell, inspirado em seus sonhos, inventou o telefone. A reboque da invenção nasceram as telefonistas. E são esses personagens que protagonizam o novo espetáculo. Recriando o Rio de Janeiro de 1906 a 1930. Cacá e Eliana colocam em cena uma trama musical animada, onde Solica e Bigudi, entre uma chamada e outra, revelam saborosíssimas histórias do Rio antigo, sem que a pesquisa chegue ao palco em tom didático.

Na trama, Bigudi chega ao Rio à procura do noivo Waldemar, mas acaba arranjando emprego, junto com Solica, na Companhia Telefônica, que na época funcionava ao lado do Teatro Carlos Gomes. Tão cortejadas como as estrelas do teatro vizinho, as mocinhas ganhavam o coração dos fãs não pelas bonitas pernas, mas pela curiosidade do interlocutor em conhecer a voz atrás do fio. Narrando a história, um personagem de verdade, o fotógrafo Augusto Malta.

Cacá Mourthé mais uma vez dirige um espetáculo bastante autoral. Usando o seu “molejo cênico” para espectalinhos musicais, Cacá acerta de novo no pocket cultural.

O elenco, afinado com a direção, cria cenas de ação sem desperdiçar o texto. Tudo combina, Soraya Ravenle, muito à vontade em seu personagem, é Bigudi, com todos os trejeitos da mocinha que chega do interior para conhecer a cidade grande. Dedina Bernadeli é moça da cidade, sem exageros no gestual. A química da dupla funciona como há muito não se vê no palco. No papel de narrador e chefe, Dinho Valadares conquista a plateia com o humor que tira das situações inesperadas. Bernardo Palmeira costura a cena com boas interferências.

Número, faz Favor é um espetáculo de história dentro da história e para isso os cenários de Alexandre Gomes e Cláudia Alencar, com fotos recortadas e envelhecidas, funcionam como um eficiente painel de época para o ambiente. O mesmo acontece com os figurinos de Patrícia Nunes. São delicadas peças que reproduzem a época sem o tom de cópia e muito melhor do que isso, sem atrapalhar a movimentação do elenco com pesados adereços. A luz de Aurélio de Simoni dá o tom intimista da encenação. Completando a trama, as músicas de Ricardo, as músicas de Ricardo Mansur se integram ao texto como uma quase coautoria. É isso que se espera sempre das letras de um musical. Aqui acontece.

Com tudo dando certo, a administração do museu poderia acertar mais ainda, não deixando que o espectador atrasado entre dez minutos depois do espetáculo começado. O “jeitinho” atrapalha público e elenco. Fora isso, o que está no palco é imperdível.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)