Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 19.09.1998
Com muitos detalhes de fino trato
A Cia Teatral Nosconosco, uma das mais atuantes da cidade. Chega ao palco do Teatro Gláucio Gil com mais uma daquelas produções intensas que envolvem pelo menos seis meses de pesquisa, além de outros seis usados nas oficinas de figurinos, aulas de voz, novas técnicas de manipulação de bonecos e tudo mais que possa ser posto em espetáculo. Nesse espírito enlouquecedor, Moça Perfumosa e Rapaz Pimpão têm a marca da companhia no que de melhor ela pode apresentar.
Do texto de Daniela Chindler veio a inspiração, mas, como a Nosconosco vai fundo em qualquer assunto, ampliou a pesquisa. Com a contadora de histórias Lívia de Almeida “recolheu” o conto Melancia é Coco Mole, da coletânea de Câmara Cascudo. Daí invadiu a Nau Catarineta e com tudo que sabia criou uma nova história. O resultado está em cena com detalhes de fino trato.
Na direção, a dupla Célia Bispo e Roberto Dória optou por levar o espetáculo ao sabor das ondas. Assim, não é de se estranhar que o começo seja um tanto lento para que depois do impulso inicial a trama decole de vez. Mais do que a história encenada, o que se vê no palco é, mais uma vez, a história da companhia. Desta vez, porém, sob nova ótica. A Nosconosco, famosa por suas produções caprichadas, saídas do nada, sempre chamou a atenção da plateia pelo efeito cênico que causava. Mais do que a performance dos atores, sempre esteve em cena a força da companhia. Em Moça Perfumosa e Rapaz Pimpão, antes da produção brilha o ator. O mérito vai todo para a dupla de diretores, os únicos que acreditaram que aqueles iniciantes iam superar suas falhas.
A paixão de Perfumosa por Pimpão e o seu quase final feliz são contados em cenas onde se usam os mais variados recursos teatrais. Os narradores vestem perna de pau, enquanto os personagens principais são mostrados também em bonecos manipuláveis em várias técnicas, inclusive a do difícil teatro negro.
Num tour pelo folclore, a música do espetáculo é ao vivo, com interessantes inserções de sonoplastia. Os cenários em vários planos, algumas maquetes e os figurinos, como sempre, repetem o bom gosto dos espetáculos anteriores. Na mágica do reciclado, os trajes esbanjam fitas coloridas, bem colocadas nos retalhos.
Mas se a produção não deixa falhas, o trabalho dos atores é irretocável. Daniela Freire, como a Perfumosa, tem atuação firme, além de bonita presença no palco. Bruno Bessa, o narrador, e Jorge Henrique (Ceará), o coringa, têm performances bem delineadas. Em destaque, o trio de cegos – Marie Robilard, Jorge Bispo e Fernanda Foch -, representação marcada pelas gags de muito bom humor.
Moça Perfumosa e Rapaz Pimpão, muito mais do que um conto em cena, é uma peça onde se destacam o uso dos recursos teatrais e suas infinitas possibilidades. O tal teatro que às vezes volta à cena.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)