Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 25.01.1998
Encenação sensível e com humor
Histórias de circo sempre geram espetáculos de agrado popular. Isso porque a ideia de que palhaços, esses alegres artistas, chegam mais rápido ao coração do publico com sua graça ingênua e divertido colorido. Mas ao contrário do que possa parecer, palhaçada é coisa muito séria, e fazer rir, nos tempos atuais, é tarefa das mais difíceis.
Correndo na contramão do resgate circense. Sura Berditchevsky cria o seu espetáculo Como Nasce o Palhaço, em cartaz na Casa da Gávea, na linha histórica da comédia brasileira. Assim está no palco, em perfeita sintonia e em áreas bem destacadas, um pouco da Commedia Dell’Arte, a comédia de costumes de Arthur Azevedo e a comédia carioca da atualidade. Um mix de estilos entrelaçados, que chega ao palco numa encenação de rara sensibilidade e também muito humor.
A história bem contada acontece numa família de palhaços, que pode muito bem estar vivendo no apartamento ao lado de qualquer pessoa da plateia. O Sr. Palhaço perde o emprego na bandinha exatamente no dia em que dona Palhaça vai para o hospital ganhar o segundo filho. Como em qualquer família, a chegada do bebezinho mata de ciúmes o primogênito bebezão, e faz com que a empregada Marlene se transforme também na babá Marly, uma dupla jornada para lá de conhecida. Usando todos os ganhos da comédia de situações, a direção de Sura para o seu próprio texto persegue a linha do humor bem construído, em que cada cena, que poderia ser vista isoladamente, está ligada por forte fio dramático. A estratégia cria uma área de interesse para a plateia, que segue o espetáculo atentamente esperando a próxima surpresa.
Em grande sintonia com a direção, o jovem elenco interpreta seus personagens dentro de respeitável tempo de comédia. Numa peça na qual todos se responsabilizam pela qualidade do espetáculo está em cena a família: Sura Berditchevsky, a mãe palhaça, Bruno Balthazar, o pai, Any Dana, o bebezão, e Waleska Areias a empregada. Coringando vários papéis: Alexandre Barros, Karine Telles, Leonardo Otero, Marcelo Albuquerque, Rafael Mannheimer e Rodrigo Machado. Todos ótimos.
Rico em detalhes, Como Nasce o Palhaço tem coreografia de Zdenek Hjampl, responsável pelas cenas de ação da peça, em que são criados com atores em movimento, um hospital na hora do rush, os adereços da casa dos palhaços e outras interessantes cenas de ligação. Os figurinos de Biza Viana seguem a linha preto e branco para a família, que tem seus trajes com impressões gráficas como um jornal. Já os outros personagens vestem-se inspirados na Commedia Dell’Arte num colorido contraponto. A luz de Cláudio Neves marca os ambientes suavemente, sem tom de grife que se sobreponha à encenação. Completando o quadro, a trilha musical, também recolhida por Zdenek Hampl, é uma rara pesquisa feita pelos irmãos Duprat (Régis e Rogério) no som das bandinhas do século XIX.
Como Nasce o Palhaço é o primeiro episódio da Família Flagelo, essa bem-humorada companhia criada por Sura Berditchevsky, que já promete novas atrações. Longa vida aos palhaços.
Cotação: 4 estrelas (Excelente)