Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 05.10.1998
Brinquedo de arma com a participação da plateia
Ana Barroso e Mônica Biel são duas atrizes que no ano passado apresentaram o premiadíssimo espetáculo A História de Topetudo, um reverso dos contos de fadas, em que os absurdos, comuns à história oral recolhida, eram apontados com muito bom humor. Satisfeita com a fórmula crítica, a dupla chega mais uma vez ao Cândido Mendes para nova batalha. O espetáculo é A História de Catarina e, no palco do conta-reconta-esse-era-uma-vez, os clowns Lasanha e Ravioli voltam à cena para brincar com a fábula.
Tudo começa num improviso ensaiado, quando Lasanha e Ravioli, prontos para deixar o teatro, se encontram com o público. Não tendo como fugir do compromisso, começam a juntar os componentes de uma trama fantasiosa para encenar mais uma dessas historinhas em que tudo acontece porque acontece: Catarina e Nicolau são príncipe e princesa de reinos vizinhos. Em comum têm o tédio natural da realeza. Um dia compram de um mercador um potinho que tem o poder de transformar gente em bicho. Como nos outros contos de fadas, o amuleto é enfeitiçado por uma bruxa má. Ao final, também com sempre acontece, o bem triunfa.
Se o enredo original não é lá essas coisas, a releitura do conto feita por Mônica Biel, Ana Barroso e Theresa falcão é cheia de atalhos de humor. E, além de denunciar a fragilidade do gênero, usa bons truques do teatro para solucionar o elemento mágico da história.
Revezando-se em vários personagens, Ana e Mônica criam tipos inesquecíveis. Além das protagonistas Catarina e Nicolau, cada um com seu engraçadíssimo enfado natural estão, em cena Adelaide, a amiga fanhosa da princesa, Maria Quitéria, a ruiva má da floresta, o velho e distraído sábio da corte e outros tipos engraçados.
A direção de Moacyr Chaves investe no jogo teatral com sucesso. Ao contrário de outros espetáculos de gênero, em que o truque de transformar (abóbora em carruagem, alfaiate em sapo e outras magias) fica sempre na coxia, aqui a mágica é explícita. Para isso a bruxa mostra seu poder brincando com a iluminação e com a sonoplastia. Assim, raia o dia, anoitece, chove e troveja no teatro em ação simultânea. Tudo muito plausível.
Em sintonia com a direção, Aurélio de Simoni usa múltiplos, efeitos de luz no espetáculo, inclusive o da perigosa luz negra, quase sempre de gosto duvidoso, aqui usada lindamente para resolver truques de cena.
Como um espetáculo à parte, os figurinos de Bia Salgado conseguem unir a beleza plástica ao funcional, de maneira pouco vista no teatro. Também de muito bom gosto, os efeitos de Lídia Kosovisky se destacam pela delicadeza dos adereços. A floresta sai de uma mala, os dois reinos são representados por um tabuleiro de xadrez e uma bandeja de chá. Para encanto da plateia, um laguinho sai de uma das bolsas de viagem. A vitória do prático e bonito num teatro sem urdimento.
A História de Catarina é um brinquedo de armar que se modifica com a participação da plateia. O convite ao jogo é irresistível.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)