Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 13.06.1998
Cativantes desempenhos numa produção caprichada
As fábulas de La Fontaine, escritas originalmente para o público adulto, tinham como tema os vícios e as virtudes do ser humano, mas por conta da censura da época, os protagonistas e antagonistas eram animais. Desse modo, essas moralidades acabaram muito utilizadas na literatura infantil. No teatro não acontece diferente.
Dentre as histórias mais queridas destaca-se A Cigarra e a Formiga, onde estão em foco uma workaholic e uma artista querida. No verão, enquanto a formiga trabalha, a cigarra canta. No inverno, as coisas se invertem e a formiga se vinga da cantora sem teto. Na tradução de Monteiro Lobato, “os artistas, pintores e músicos são as cigarras da humanidade”. Mas mesmo Lobato não se conformava com o cruel final e apresenta em seu livro Fábulas duas versões para a trama. A primeira reproduz o original, mas a segunda tem desfecho bem mais feliz, onde cigarra e formiga compensam suas diferenças.
A Cigarra e a Formiga, em cena no Teatro Teresa Rachel, é uma terceira versão para o clássico. Aproveitando a moralidade, que traduz a figura da cigarra para os artistas, Luiz Roberto Pinheiro, autor e diretor do texto, começa sua peça num ensaio para um show na floresta, onde a cigarra cantora divide o palco com duas coadjuvantes. A Marreca, que toma para si o papel da figura má, e a Joaninha, uma espécie de “ingênua” das antigas comédias de situação. Nesse bloco, a formiga entra como personagem conciliador, que chega para mediar talentos. No final feliz, a nova moral diz que, mesmo com suas diferenças, cada um é importante em sua função. Um bom toque para o pessoal do show business.
A peça chega ao palco sob a interferência da atriz Sônia de Paula, também produtora do espetáculo, que vem em seus últimos trabalhos reeditando o modelo “teatrão” para a plateia infantil. Sônia “inventa” um espetáculo cheio de atraentes recursos visuais, sem espaço para atrações alegóricas do tipo o telão pintado é casa, floresta, rio, mar, etc. Nada disso no teatrão das crianças.
Num cenário-gabinete, assinado por Carlito, os personagens moram em casa de troncos, com direito a luzes nas janelas e jardim frontal. Os figurinos de Marcelo Marques vestem a cena e os personagens. Roupas de ensaio, de show, de ficar em casa. Tudo com o maior bom gosto. Para completar o encantamento do teatro infantil, no ciclorama azul são projetados raios em ótima sintonia com a sonoplastia da trovoada. Completando a cena, neva no teatro.
Uma produção tão bem-cuidada merece rever pontos na direção de cena e de atores. As cativantes performances de Sônia de Paula e Silvio Fróes merecem que o restante do elenco acompanhe com o mesmo carinho a composição de seus personagens. Ainda pra acertar, uma redução nos diálogos iniciais, que acabam se repetindo. Problemas facilmente contornáveis.
A Cigarra e a Formiga é uma peça como as de antigamente, com o melhor que se pode tirar do teatro-gabinete. Uma bonita homenagem ao teatro infantil, que está completando 50 anos de existência.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)