Crítica publicada no Jornal Última Hora / UH em Revista
Por Luiz Sorel – Rio de Janeiro – 1989
A mitologia da floresta
Tarô Bequê, de Marcio Souza, direção de Waldez Ludwig, no Teatro do Posto Seis, Rua Francisco Sá, n 51, é um inteligente mergulho na Amazônia e seus mitos. Sensível, de extremo bom gosto visual, o espetáculo cresce a cada instante, levando o espectador a pensar, a se divertir e, principalmente, a questionar os valores e conceitos de uma certa forma de vida. O resultado é simplesmente estimulante.
O conto de Marcio Souza é belíssimo. Usando linguajar indígena e símbolos próprios, ele ultrapassa o regionalismo para expandir sua mensagem, ou seja, tornar-se universal. Ao contar a estória de Tarô Bequê, um sapo que quer virar gente e que, depois de humano, não aguenta a barra existencial, o autor penetra nos mitos de forma lúdica e na ecologia com muita propriedade. É de grande teor poético. Pode-se, inclusive, descobrir estórias paralelas como a de Branca de Neve ao receber a maçã (aqui recebe um perfume) ou de Prometeu, que sobe aos céus para roubar o fogo. São leituras para um espectador mais atento. O melhor texto até agora de 89.
A direção de Waldez Ludwig entendeu com perfeição as intenções do autor e cercado de inventividade, brasilidade e muito bom humor. Utiliza os elementos cenográficos de forma criativa, transformando uma simples rede de dormir em várias coisas como ventre e arbusto, só pra dar um exemplo. Faz um jogo de luz de consciente argucidade e dirige os atores com a maior segurança. Um trabalho digno do maior respeito. É um de nossos melhores diretores.
A pesquisa e a concepção visual de Augusto Pereira da Rocha são brilhantes. A solução para cada personagem é perfeita. O Urubu-Rei, a Macura e a Surucucu são exemplos de máxima veracidade. O material usado foi confeccionado pelos índios do Parque Nacional do Xingu. Uma beleza.
Augusto Pereira da Rocha, Fernando Rebello e Valéria Pimentel transmitem toda uma gama técnica com muita sensualidade e verdade interpretativa. Pedro Lima Verde, e Claudia Neto são responsáveis pelos momentos hilariantes da peça. Dois artistas deslumbrantes. Fatima Café é soberba na sua cozinheira de seios murchos.
E, o Brasil tem coisas lindíssimas como esse Tarô Bequê, que deve ser assistido por todos. Apesar do teatro ser escondido, vale a pena procurar ver a peça que é uma das mais criativas deste ano. Quem perder vai se arrepender.