Crítica publicada no Jornal Tribuna da Impressa – Tribuna Bis
Sem Identificação do Jornalista – Rio de Janeiro – 1989
Em Dois Tempos
Com um palco diminuto, poucos recursos e um texto, é possível fazer um bonito trabalho de teatro infantil? Isto efetivamente não é segredo para diretores criativos como Waldez Ludwig e Toninho Lopes que estão em cartaz, respectivamente com Tarô-Bequê de Marcio de Souza e O Patinho Feio de Andersen.
Cada um em seu estilo e momento, oriundo de culturas particulares, os contos encenados se remetem a experiências ancestrais e permanentes do homem: a questão da identidade por um lado e, por outro, a relação com o mundo.
Tarô-Bequê esta no Teatro do Posto seis e é seguramente um dos espetáculos mais bem-acabados deste semestre. A Lenda dos índios Tucanos, no Alto do Rio Negro, em torno das aventuras do sapo Tarô-Beque, relata através do maravilhoso, sua busca de identidade, a descoberta do outro e do amor, as provas e provações que se impõem ao homem e os mistérios que cercam seu destino. Como em todos os contos populares, se digladiam agressores e heróis, cercados de auxiliares fiéis e objetos mágicos. Mas esta é a narrativa mais elaborada, com evidentes marcações rituais entre natureza e cultura, e cru e cozido e o domínio do fogo que Levi Strauss analisou entre os Bororós e Eliade entre os gregos antigos.
O sapo queria ser homem e o Pai do Mato lhe concede o favor completo, transformando-o e também a um tronco e Mulher – Jurití. Om astúcia, ele o consegue, mas a vingança do outro lhe tira a companheira, obrigando-o a ir busca-la na Casa dos Mortos O auxílio da serpente surucucu torna a empresa bem-sucedida, porém uma infração das regras o devolve á condição de sapo.
Para a feliz contextualização cênica, Augusto Pereira da Rocha, (também faz o Sapo Tarô) pesquisa comportamentos, vestimentas e adereços indígenas que vai buscar no Parque Nacional do Xingu: a direção de Waldez, enxuta, com marcações precisas, logra contar a lenda e ao mesmo tempo abordar aspectos da realidade atual da Amazônia, sem fazer a peça panfletagem ecológica ou paródias ininteligíveis.
Esta linguagem regional, no entanto, não impede que se alcance a universalidade no relato que as crianças e adultos acompanham em níveis diferentes de leitura: lá a aventura: aqui a crítica irônica. Entre a impecável concepção visual e a musica de origem indígena, os atores se movem á vontade e a contento.
Destaque especial a Surucucu de Claudia Neto, construída com a devida ambiguidade, humor e dissimulação. As falas de Canhaimé, ás vezes pouco claras, não chegam a comprometer as cenas: Pedro Lima Verde e Fatima Café compõem macunaímicos os perfis do Urubu-Rei e Macura, os vilões.
Há razões de sobra para não perder o espetáculo, num ano de vacas magras no Teatro Infantil.