Caridad e Teresa: atuações distintas mas impecáveis

Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 14.09.1996

 

Barra

Espetáculo faz jus a seu nome 

Os Impagáveis, em cartaz no Teatro Gláucio Gill, é mais um espetáculo com texto da premiada diretora Teresa Frota dirigido por Henri Pagnoncelli. A dupla – que vem de sucessos como Viravêz, o Cortês e A Lei e o Rei – traz agora ao palco um divertido musical onde os personagens, assim como na vida real, não se dividem em bons e maus, por simples capricho da natureza. Mesmo na fantasia, fica valendo a interferência do meio. A proximidade com o real toca a plateia, que se diverte com a identificação.

Ambientado nos anos 20, Os Impagáveis, quase um roteiro cinematográfico, tem intrincada trama, onde Luxúria, dona do Lulu’s Club, comanda com Carcaça o sumiço das bonecas Barbies, para que seu preço suba no mercado negro combatendo o mal, o delegado Zé do Brito, nome impronunciável por Luxúria, guarda a última Barbie noiva para ser sorteada na festa de debutantes de sua filha Molly. Menina mimada, que troca de roupa ininterruptamente por puro tédio, Molly é namorada de Carcaça, que frequenta a casa do delegado disfarçado de Carlinhos. Para esquentar essa história de gângsteres, chega à cidade uma dupla nordestina que vem tentar carreira no cinema.

A história, contada em quadros, vem recheada de citações cinematográficas, que detêm humor próprio, mesmo para não iniciados. Luxúria jurando que jamais será abandonada outra vez, ao som da trilha de E o Vento Levou, ou Molly e Severino se mirando num espelho, usando a mesma melindrosa, como Eva Todor e Oscarito numa chanchada da Atlântida, são passagens bem colocadas no enredo, que mais uma vez comprova que a recriação de um tema pode ter seu humor original, quando bem feito e não apenas copiado. É o caso.

A direção de Henry Pagnoncelli tem sensível interferência no texto. Sempre privilegiando a direção do ator Pagnoncelli cria o espetáculo a partir das performances. A estratégia, quase sempre dispensada nos musicais, é um achado na concepção do diretor, que só enriquece o espetáculo como um todo.

O elenco impecável tem performances diferenciadas de estilos que se enquadram com surpreendente harmonia no espetáculo. Heloísa Perissé é Molly, com o original humor, traço marcante de sua carreira. Teresa Frota binca com a maldade da personagem Luxúria e faz do exagero a melhor comédia. Cico Caseira aproveita cada linha do seu texto num personagem bem trabalhado. Carlos Loffer e Nilvam santos são os caipiras que interferem na trama em cenas hilariantes. È Carlos Loffer quem reproduz com graça especial a cena do espelho feita por seu avô Oscarito na Atlântida. Eisenhower Moreno cresce como ator neste trabalho. A surpresa, no entanto, fica com a atuação de Marcello Caridad. Sempre interpretando com vantagens papéis cômicos, o ator, dividindo-se em Carcaça e Carlinhos, dá dimensões totalmente diversas aos personagens. A emocionante criação traz de volta ao palco a quase esquecida magia do teatro.

Os Impagáveis tem ainda figurinos luxuosíssimos criados por Teresa Frota, cenário de Lídia Kosovski, que, mesmo com alguns entraves operacionais, se destacam pelo bom gosto das peças, luz inspirada de Aurélio de Simoni, principalmente para o efeito cabaré do Lulu’s Club, músicas de Cacau Ferreira, algumas de difícil interpretação, mas mantendo a qualidade no conjunto, e coreografias criativas de Marcello Caridad. Um espetáculo que faz jus ao nome.

Cotação: 3 estrelas (Ótimo)