Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 21.06.2018

Fotos: João Caldas Filho

Time de primeira leva ao teatro um sucesso da TV

Capitaneada por Carla Candiotto, a equipe da peça Que Monstro Te Mordeu?, mais uma incrível produção do Sesi-SP, dá um banho de talento e criatividade, divertindo e emocionando o público de todas as faixas etárias

Mesmo que você e suas crianças nunca tenham visto, na TV Cultura, nenhum episódio do seriado Que Monstro Te Mordeu?, criado por Cao Hamburger e Teodoro Poppovic, ainda assim vale muito a pena correr ao teatro para ver a versão feita para os palcos desse recente sucesso da televisão educativa brasileira.  Garanto: será um programa encantador.

A diretora e adaptadora do texto para o teatro, a premiada Carla Candiotto, acertou em cheio na transposição de linguagem. Ao mesmo tempo em que manteve com propriedade todas as características importantes da dramaturgia da TV e as nuances de cada personagem (contou com a colaboração dramatúrgica dos criadores originais), ela também soube criar um espetáculo diferente, com tema forte e jeitão de teatro para todas as idades.

O tema do seriado são os monstros que moram dentro da gente, dentro de cada criança, os medos, as ansiedades, enfim, os pavores das mais variadas naturezas e origens.  Cada vez que uma criança desenha um monstro, ele ganha vida, se corporifica e passa a habitar o Monstruoso Mundo dos Monstros. Para o teatro, Carla Candiotto recrutou uma equipe nota mil e optou por um subtema dos mais importantes da atualidade: como conviver com e aceitar as diferenças. Virou uma linda peça sobre tolerância e aceitação – tudo de que o mundo de hoje anda mais precisado.

Por ser meio humana meio monstrinha, a protagonista Lali (agora vivida por Bebel Ribeiro) – na TV o papel foi de Daphne Bozansky – não é bem aceita pelos monstros totais que habitam o lugar.  O enredo de preconceito passeia por essa questão de forma divertida, leve, com humor e emoção. E muita aventura em ritmo ágil. O texto de Carla é objetivo, direto, nada discursivo ou catequético. Sua direção também não poderia ser mais acertada, valorizando bastante as cenas coletivas, já que a quantidade de personagens-bonecos é numerosa. Poderia ter caído numa falta de ritmo até compreensível, pois – antes de a trama disparar – os bonecos precisariam ser apresentados ao público, um a um, já que cada um deles tem seu jeitão, sua ‘personalidade’. Em vez disso, há agilidade. A ação corre paralela ao desfile variado de monstrengos – tão horripilantes e escatológicos quanto cativantes e carismáticos. Não se perde tempo nem com descrições demoradas nem com lição de moral e discursos palavrosos. O recado é dado com muita competência, sem enrolação. O tempo urge em cena, diante de tantas possibilidades e tamanha gama de diversidade na galeria de bonecos.

A cena inicial, ainda com a cortina fechada no palco, é das mais lindas que já vi no teatro infantil recentemente. Trata-se de um prólogo, que mostra como nasceu e surgiu a menina protagonista, Lali. Os efeitos do teatro de luz negra funcionam com incrível esmero. De arrepiar, logo assim de saída. Quando a cortina se abre, é outro impacto. A cenografia criada pelo premiado diretor de arte Marco Lima é grandiosa, arrebatadora, assim como seus figurinos também cativam pela criatividade e belo uso dos materiais. Pontos altos também são a iluminação de Wagner Freire e a trilha sonora de Marcelo Pellegrini. São três escudeiros fiéis de Carla Candiotto: Lima, Freire e Pellegrini, um trio de ouro, os três com toques de Midas em tudo o que se propõem a fazer no teatro.

O elenco é um luxo só. Nunca vi tanta gente talentosa reunida, criadores do primeiro time, que poderiam estar fazendo o que quisessem nos palcos, brilhando em seus talentos específicos, que não são poucos. No entanto, embarcaram nessa aventura quase anônima de serem intérpretes-manipuladores de bonecos dos mais variados tamanhos e formas. Um exemplo coletivo de humildade, desprendimento e amor ao teatro. Três deles já eram do elenco original da série da TV: Melina Menghini, como a poltrona rosa Luísa; Sidnei Caria, como a lata de lixo Gorgo, e Paulo Henrique, como o cientista Dr. Z. Os outros são: Daniel Costa, como Dedé (o chiclete mastigado), Nilton Marques, como o Síndico (um cocozão na privada); Sandro Gattone, como o esperto assistente Morgume; e os integrantes coloridos da chamada Umus (União dos Monstros Unidos): Gilson Ajala, Fernando Mariano, Thiago Toledo e Alexandre Scaldini. Funciona muito bem, por exemplo, a interação divertida entre Sandro Gattone e Paulo Henrique, em que o assistente resolve os problemas e o cientista repete o tempo todo como se fosse ideia dele. A garotada embarca com alegria nesta característica até clownesca da dupla.

E, por falar no público, é lindo também observar o quanto uma peça boa causa frisson na plateia de todas as idades. No domingo em que lá estive, vi adultos muito emocionados no final, inclusive enxugando lágrimas, e crianças de olhos grudados, vidrados no palco o tempo todo, sem piscar. Não há prova melhor do talento de toda a equipe de Que Monstro Te Mordeu?. Programe-se. Há, inclusive, opção para agendamento de escolas.

Serviço

Local: Teatro do Sesi – Centro Cultural FIESP
Endereço: Avenida Paulista, 1.313
Em frente à estação Trianon-Masp do Metrô, Jardins, São Paulo
Telefone: 11 3528-2000
Capacidade: 456 lugares
Quando: Sábados e domingos às 14 horas. (Não serão realizadas apresentações nos dias 17 e 22 de junho.)
Duração: 60 min
Classificação etária: Livre para todos os públicos
Para escolas: Sessões exclusivas para grupos e escolas – quintas e sextas às 11 horas, a partir de 7 de junho.
Ingressos: Grátis (retirada na bilheteria com uma hora de antecedência do início da sessão)
Temporada: De 9 de junho a 2 de dezembro de 2018