Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 10.08.2018
Uma fábula contra a ditadura do SIM e do NÃO
Pedro Cardoso e Graziella Moretto brilham como autores, diretores e atores de Nem Sim Nem Não, espetáculo para todas as idades que reflete sobre os perigos de todo tipo de radicalismos
O talento do casal de atores Pedro Cardoso e Graziella Moretto, há alguns anos radicados em Lisboa, Portugal, está acima de qualquer suspeita. No palco, são versáteis, carismáticos, engraçados e muito determinados em tudo o que fazem. Em São Paulo, há algumas semanas, podemos conferir a primeira incursão da dupla pelo teatro para crianças e jovens. Na verdade, como eles mesmo dizem, é teatro para todas as idades, pois “o que é para crianças é para todos”.
Nem Sim Nem Não é a peça que escolheram fazer: escreveram, dirigiram e atuam juntos. Um lindo atestado da versatilidade artística do casal. E acrescentaram um subtítulo: Uma Peça de Teatro Infantil que Ninguém Pediu. Pois agora eu peço: que venham outras, pois essa já é um grande acerto – tanto temático quanto estético. Queremos mais.
A linguagem predominante é a de narração de histórias, apoiada em pesquisas sobre tradição oral. Quando o público entra na sala de espetáculo, o casal já está em cena, recebendo a todos com simpatia e calor humano. São dois contadores de histórias querendo cativar seu público, seduzindo-o para a proposta que se seguirá. E conseguem facilmente. Conversam, riem, fazem brincadeiras, provocam um ao outro com leveza e educação, ou seja, preparam o público para o banho de empatia que se dará a partir do terceiro sinal. O resultado desse agradável ‘início-antes-do-início’ é sentido ao logo de todo o espetáculo: a plateia, já completamente cativada pela dupla, participa ativamente toda vez que é requisitada – tanto as crianças quanto os adultos. Há um momento, quase no final da peça, em que o público precisa opinar sobre o conflito estabelecido na trama. O microfone vai de mão em mão – fiquei encantado com o alto grau de participação das crianças, no sábado em que estive presente. Isso é fruto do bom trabalho prévio dos dois atores, que sabem envolver a plateia, preparando-a para essa fase de troca mais direta e rompimento da ‘quarta parede’.
A meu ver, além do talento do casal de intérpretes para conquistar o público, a chave do sucesso desta peça é a fábula em si, criada por ambos, ou seja, a competência na criação de uma história muito bem imaginada, gestada e desenvolvida. A saber: “O espetáculo conta a história de uma jovem que, como tantas no Brasil, tem de começar a trabalhar cedo para ajudar a família. Ela consegue dois empregos de babá. O primeiro, numa casa em que tudo pode: a casa do Sim. A outra é a casa do Não, onde tudo é proibido, principalmente dizer sim.”
O objetivo dos dois criadores – plenamente atingido – é falar sobre a ditadura do sim e do não, ou seja, os defeitos e as consequências de todos os radicalismos, especialmente os ligados à educação de nossas crianças. Um tema muito importante, atual e necessário. Sério, muito sério – e poderia resultar em um espetáculo discursivo, militante, panfletário. Ao contrário. Cardoso e Moretto criaram uma atração encantadora, ágil, fantasiosa – e, assim, não dão chance para a chatice tomar conta.
A trama vai aparecendo com calma, em ritmo de uma história bem contada, sem pressa, com riqueza de detalhes – e o auxílio luxuoso da música ao vivo (Dudu Trentin e Rodolfo Cardoso). A forma como os inúmeros personagens das duas famílias fictícias desfilam pela história é uma forma estética muito atraente. São cabeças coloridas, muito bem desenhadas, que os atores seguram por um cabo, como se fossem placas de avisos (repare nas fotos). Duas lousas (quadros negros) completam a cenografia (assinada por Ateliê Modestamente Revolucionário), remetendo aos ambientes escolares de forma clara e direta. Apoiados basicamente nas trocas de aventais, os figurinos de Giovanna Moretto (Dasfigurinistas) são outro charme bastante funcional da montagem.
Há um trecho corajoso. Pedro Cardoso lê (ou faz que lê) um longo texto de um livro. Isso resultaria em uma quebra de ritmo, em uma pausa arriscada na agilidade da encenação. Mas ele não é bobo – a cena não é nada gratuita. Inteligentemente, neste momento o ator-autor-diretor provoca os adultos, dizendo-lhes em alto e bom som: “Vamos ver agora durante quantos minutos seus filhos conseguirão ficar atentos ao trecho que vou ler deste livro…” Pronto, o desafio está lançado e, espertamente, o que poderia ser um momento fraco e chato vira um ‘cutucão’ importante na atual e tão propalada falta de concentração das crianças hiperativas e adeptas das multitelas. Mais um acerto desta encenação. Não deixe de prestigiar Nem Sim Nem Não. Vá correndo bater palmas para a saudável possibilidade do Talvez.
Serviço
Local: Teatro Morumbi Shopping
Endereço: Av. Roque Petroni Junior, 1.089, Jardim das Acácias, São Paulo
Capacidade: 250 lugares
Telefone: (11) 5183-2800
Quando: Sábado e domingo, às 16h
Duração: 50 minutos
Classificação: Livre
Ingressos: R$ 50 (inteira) e R$ 25 (meia)
Temporada: De 7 de julho a 26 de agosto de 2018