Fotos: Jessica G. Teodoro

Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 14.09.2018

Três cenografias incríveis em três espetáculos de alto nível para crianças e jovens

Pequena Magdalena, ainda em cartaz, Rinocerantas e Annexo – Um Diário de Anne Frank, com temporadas encerradas recentemente, muito me impressionaram pela força dramatúrgica de suas arquiteturas cênicas

Gostei muito de três peças infanto-juvenis que vi recentemente em São Paulo e as reúno aqui em um mesmo texto opinativo, pelo fato de que todas as três muito me impressionaram no quesito cenografia. São boas não só nisso, mas achei que seria proveitoso começar a falar delas sob esse aspecto. Afinal, valorizar os cenógrafos é sempre muito importante, já que uma arquitetura cênica bem construída dialoga criativamente com a dramaturgia e nunca pode ser vista ou executada como mero acessório ou decoração, como muitas produções equivocadas ainda persistem em fazer.

Pequena Magdalena

Começo por Pequena Magdalena, em cartaz no Teatro Alfa. Cenário, adereços, bonecos e máscaras são assinados por Victor Merseguel, da Cia. de Copas. Victor é um talento já reconhecido na cenografia. Levou o Prêmio São Paulo por Meu Amigo Inventor (2017), por criar ‘engenhocas’ incríveis em homenagem a Leonardo da Vinci. Agora ele e sua companhia se debruçaram sobre a infância da pintora mexicana Frida Kahlo – e você não vai acreditar na alta criatividade do cenário. Merseguel acertou novamente, com louvor.

Ele ‘deitou e rolou’ com o tema do Dia dos Mortos, tradição mexicana de estética multicolorida. Flores, bandeirolas, velas, crepons, caveirinhas e mil e uma referências às obras da artista retratada dão o tom da cenografia nota dez, tudo isso também replicado com muito talento nos figurinos de Daniel Infantini. E tudo se passa em um cemitério, como não poderia deixar de ser, devido à temática do espetáculo. A coragem de fazer uma peça infantil se passar entre cruzes e covas não é ineditismo da Cia. de Copas, mas é sempre um feito a ser elogiado, por quebrar tabus e romper preconceitos sobre o que pode e o que não pode ser mostrado às crianças.
A cenografia é tão forte e tão importante neste espetáculo que, lá pela metade da peça, acontece algo literalmente estrondoso e inusitado, que eu desconfio nunca ter visto em peças infantis: o enorme portal que dá entrada ao cemitério, simplesmente desaba, desmorona no palco, deixando um aspecto de ruína, de cenografia mal-acabada. A plateia realmente se espanta com o barulho e com essa espécie de ruptura, desconstrução, um ‘mid point’ (o ponto central, clímax) na peça, um ‘twist’ visual (ponto de virada). Quando o portal é refeito e reerguido, todo enfeitado para o Dia dos Mortos, ouve-se na plateia crianças dizendo: “Mãe, como ficou muito mais bonito!” O recurso funciona muito bem. (O crédito de confecção do cenário é da PalhAssada Ateliê.)

Rinocerantas

Caí de amores também por toda a concepção visual de Rinocerantas, da Cia. Lona de Retalhos, que cumpriu rápida temporada no Sesc Consolação. Tomara que volte logo. O espetáculo é inspirado no gênero do teatro do absurdo, consagrado pelo dramaturgo romeno Eugène Ionesco. Com concepção e interpretação de Carina Prestupa e Thaís Póvoa, dirigidas pela veterana mestra Elisabete Dorgam, Rinocerantas mostra o dia a dia de duas palhaças (sem nariz vermelho) que moram juntas numa casa colorida, lúdica, deliciosa. Denise Guilherme e Bira Nogueira são os responsáveis pela concepção de cenários e adereços – e que adereços! Parece tudo saído de dentro de um desenho animado. As cores saltam aos nossos olhos, harmônicas e fortes, os traços nas paredes da casa remetem aos rabiscos de crianças, o banheiro é negro, contrastando inteligentemente com o restante dos cômodos vivos da casa, a cozinha é um encanto, enfim, é um típico cenário não-realista, que conversa com a dramaturgia, complementa a história de vida das duas personagens trapalhonas e clownescas.

E aqui também os figurinos casam à perfeição com a arquitetura cênica. Assinadas por Renata Régis Soares, as roupas são brincalhonas, divertidíssimas, geométricas. As cenas que se baseiam em dobrar cada peça para guardar no armário são hilárias e muito inteligentes. Há tempos não via uma situação tão simples, banal e corriqueira render tanta graça por tanto tempo, sem cansar. Parabéns ao carisma e ao talento das duas atrizes.

Annexo – Um Diário de Anne Frank

Contrastando com toda a alegria brincalhona de Rinocerantas, quero falar também da acertadíssima concepção cenográfica do impressionante Annexo – Um Diário de Anne Frank. O realismo exacerbado de toda a ambientação chega a causar arrepios, incômodos, tamanha a competência de Luiz Felipe Petuxo, o diretor que também assina cenografia e iluminação. Ele se esmerou na caracterização da história verídica da famosa menina que deixou um detalhado diário contando sua rotina em um esconderijo (anexo secreto), para fugir da perseguição dos nazistas.

A peça começa na entrada do teatro, a sede da companhia de Petuxo, a Dom Caixote, na Vila Pompeia. Há cenas iniciais de personagens judeus sendo perseguidos na própria Avenida Pompeia, na ilha central da avenida. Depois o público vai entrando como se também fosse um grupo de judeus entrando em campo de concentração. Os ambientes são muito bem concebidos, realisticamente assustadores. Tiro o chapéu para mais esse espetáculo de uma companhia que admiro muito e que só acerta, a cada novo espetáculo. O elenco está simplesmente impecável. A história de Anne Frank e sua família é contada com riqueza de detalhes e muita tensão, muito suspense, numa direção muito perspicaz. Chega a ser claustrofóbico, com moderação. Não é para crianças, mas para jovens começarem a compreender o poder que tem o teatro quando conta (reconta) uma boa história. Annexo é altamente recomendado para escolas, sobretudo quando forem alunos aprendendo os horrores do nazismo e o período da Segunda Guerra. Parabéns, Cia. Dom Caixote, por mais esse grande acerto.

Serviço

Pequena Magdalena

Local: Sala B do Teatro Alfa
Endereço: Bento Branco de Andrade Filho, 722, Santo Amaro, São Paulo
Telefone: (11) 5693-4000
Capacidade: 204 lugares
Quando: Sábados e domingos, às 17h30
Duração: 55 minutos
Classificação: Livre (indicado pela produção para crianças a partir de 5 anos)
Ingressos: R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Temporada: De 4 de agosto a 30 de setembro de 2018