Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 16.09.1995
Diálogo inovador
O Projeto Andersen, O Contador de Histórias surgiu em 1992, das recordações infantis da produtora Eveli Ficher. A fita importada , que saiu em vídeo, a partir de um filme com Danny Kay no papel do escritor. anos depois, comprovou a tese de que nem tudo é como nos parece. Porém, se o filme de Kay não atendia às expectativas, a ideia do contador continuava a ser um bom caminho para levar Andersen ao palco. Assim surgiu O Soldadinho de Chumbo. Texto premiado de Rogério Blat, reunia em cena o ator Ricardo Blat – interpretando o escritor dinamarquês – Fernanda Rodrigues e mais Deborah Secco e Fabrício Bittar, como as crianças Ana e Jonas.
O núcleo técnico – direção de Gilberto Gawronski, cenários e figurinos de Ronald Teixeira, iluminação de Paulo César Medeiros e músicas de Charles Kahn e Guilherme Hermolin -, criado no primeiro espetáculo, acabou se transformando numa quase companhia, que deu seguimento à segunda encenação do projeto. Desta vez, a comédia A Nova Roupa do Imperador. Fechando a trilogia, Andersen, O Contador de Histórias traz agora O Patinho Feio. Num resumo dos espetáculos anteriores, há de se destacar a inventividade do autor Rogério Blat, que sobre o tema criou suporte para três encenações completamente diversas.
Na difícil arte de escrever um monólogo, Rogério Blat ilumina seu texto com interferências do humor e do trágico. Uma recriação sensível da realidade, que ultrapassa os limites da história original.
O texto encontra no ator Ricardo Blat corajosa receptividade em se entregar, sozinho no palco, a personagem tão rico em nuances e ao mesmo tempo tão distanciado do protagonista das montagens convencionais. Sua interpretação intimista acaba promovendo um diálogo inovador com a plateia. As respostas chegam sem o tom óbvio da exibição, substituídas pelo estalo da dedução. As interferências não só se encaixam perfeitamente na montagem, como a enriquecem.
O cenário de Ronald Teixeira promove essa intimidade, criando num só ambiente – um tablado que se divide estilizadamente em lago, ninho e terra – o palco da ação. Sem adereços ou cores fortes, que desviem o olhar do espectador para qualquer outra coisa que não seja o ator, que está em cena à sofisticação do artista em registrar sua presença no conjunto. As músicas de Charles Kahn e Guilherme Hermolin são vinhetas divertidas e muito semelhantes às usadas no cinema, reforçando climas e intenções.
Numa junção de forças, o diretor Gilberto Gawronski converte esta ousada aventura teatral num espetáculo que, percorrendo o caminho inverso, conquista não só a plateia a que foi destinado, mas amplia sua faixa para o público em geral.
Cotação: 3 estrelas (Ótimo)