Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 29.04.1995
Complicações no sonho
Considerado um cult por alguns trintões que hoje dirigem e produzem seus próprios espetáculos infantis. O Jardim das Borboletas, de André José Adler, alguém descobre, escrito em 1972, é certamente uma peça de lembranças. A cada remontagem, alguém descobre que guarda até hoje a trilha sonora gravada pela RCA ou percebe ser capaz de escalar o elenco de estreia. A versão atual chega ao palco com direção de Jorge Adler, irmão do autor. Mesmo com elementos altamente complicadores, a montagem acaba conquistando a simpatia do público infantil.
É um desses casos de texto ingênuo que pega o espectador exatamente pela simplicidade da história. Sob os cuidados de um competente jardineiro, convivem no mesmo ambiente os mais diferentes tipos de plantas e animais. Um vagalume cientista, um grilo roqueiro, uma lagarta aspirante à borboleta, um girassol que acabou de nascer, uma borboleta que desperta paixões, uma abelha que chega para criar conflitos.
Sem nenhum compromisso com a lei natural da reprodução das espécies – a peça é um apelo à fantasia das relações harmônicas, apesar das diferenças cruciais -, os pares formados no palco tem grande empatia com a plateia. Impossível questionar o rigor genético para casais tão apaixonados como a borboleta e o girassol, ou a lagarta e o grilo. Brincando com o incompatível, o texto de Adler focaliza o sonho de todos os mortais por uma sociedade perfeita.
Jorge Adler, assistido por Ewa Proctor na direção, não tem a preocupação de suplantar as montagens anteriores do texto, tão familiar. Essa postura, no entanto, acaba podando maiores ousadias, que por certo beneficiariam o espetáculo. Deixar por conta do figurinista a composição dos personagens é talvez o maior equívoco cometido pelos encenadores. Mesmo justificando que a caracterização é o resultado de uma pesquisa realizada com 70 crianças, a partir de seus desenhos, colocar em cena uma abelha perua, que incorpora ao seu texto os clichês do dialeto gay, é um atentado ao bom gosto.
Entretanto, se os figurinos de Ricardo Ferreira quase põem a pique o espetáculo, a direção musical do amestro Nelson Melin resgata o Titanic em espetacular performance. Cantando ao vivo as composições de Zé Rodrix e Eduardo Souto, entre outros, o elenco tem seus melhores momentos nas cenas musicais. Embora sem a mesma qualidade de seus trabalhos anteriores, a coreografia de Márcia Albuquerque preenche o palco em suaves intervenções. Já a iluminação J. Pereira, de maneira surpreendente, empobrece os cenários bem realizados de Ricardo Ferreira e Amélia Ribeiro – a luz geral do teatro faria melhor serviço.
Destacando-se por suas interpretações musicais, Marcelo Capobiango, Marco Campos, Marco Ramos e Roberta Fhoster compõem seus personagens em criativas participações. O Jardim das Borboletas é um espetáculo em fase de mudança, que a cada encenação procura acertar as suas diferenças. Um exemplo a ser seguido por profissionais de qualquer atividade.
O Jardim das Borboletas está em cartaz no Teatro da Praia, aos sábados e domingos, às 17h30. Ingressos a R$ 7.
Cotação: 2 estrelas (Bom)