Fotos: Natalia Angelieri

Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 08.04.2019

Cia. Viradalata e a coragem de ‘rever’ a história do Brasil

Não é peça revolucionária nem agressiva, nem de esquerda nem de direita – é apenas um teatro honesto que ainda acredita no debate e na transparência, como forma de contribuir para a transformação de crianças e jovens em futuros adultos lúcidos e pensantes

Que coragem.

É o primeiro comentário a se fazer sobre o espetáculo para crianças e jovens História do Brasil, em cartaz no Teatro Viradalata, com texto e direção da veterana premiada Alexandra Golik, uma das fundadoras da Cia. Le Plat du Jour, por exemplo, entre tantos feitos importantes em seu currículo de diretora, atriz e produtora.

Neste momento delicado da história do Brasil, fazer um espetáculo justamente sobre a história do Brasil é muito corajoso. A onda atual de retrocesso beirando o fascismo, de mãos dadas com um revisionismo obtuso de direita, poderia ter paralisado a Cia. Viradalata em sua empreitada de falar do nosso País desde a fase de seu ‘Descobrimento’. Mas não. O grupo ousou colocar em cartaz essa montagem arriscada. Só por isso já merece aplausos.

Há que se dizer: é um espetáculo difícil já desde a sua proposta, mas ele está honesto em seu ágil resultado final, está ‘entregue’, tem o nível artístico de uma Alexandra Golik, tem seu padrão de qualidade, que não é baixo. Por essa honestidade e vontade de botar alguns pingos nos is, o espetáculo não me parece nada partidário de algum tipo de linha política, por isso é mais fácil de ‘entrar’ nas escolas. Mas, claro, há uma preocupação louvável em recontar a nossa história sem esconder as atrocidades que fizemos com nossos indígenas e afro-brasileiros, mostrando de fato que os povos que vieram ao Brasil na época de sua colonização (portugueses, holandeses…) estavam mesmo só atrás de dinheiro e riquezas. A peça fala, não esconde. Assim, dessa forma, ganha um valor humanista incontestável. O conteúdo a ser explorado em sala de aula, depois da peça, é infinitamente rico. Educadores e coordenadores pedagógicos das escolas paulistanas deveriam ficar de olho e não perder essa rara chance de integrar tão diretamente uma peça de teatro à sua grade curricular.

Outra coisa que não posso deixar de reforçar: a agilidade da direção. Não é fácil contar tantos anos da história de um País – de seu aparecimento no mapa em 1500 até o segundo mandato do presidente Lula – sem que corra o risco de resultar em um espetáculo longo e lento. Em nenhum momento, porém, o ritmo aqui se arrasta. A dramaturgia conta com o auxílio muito valioso de imagens projetadas em três painéis, um recurso que funciona bem. São imagens muito bem escolhidas, emblemáticas, que casam bem com o que está sendo ‘narrado’.

Os atores estão todos muito bem. Um elenco entrosado, atento, versátil – Diego Rodda, Humberto Morais, Joice Jane Teixeira, Marco Barretho e Rennata Airoldi. Boa sacada é quando eles ‘interrompem’ o que está sendo contado e voltam a ser alunos, ‘saindo’ dos personagens da história do Brasil – alunos que não entendem algum termo ou expressão e não têm medo de perguntar o que é, o que significa. Esses momentos foram bem pensados, pois é uma boa saída para não cair no didático chato e muito explicadinho. Outra saída para fugir do didático (ainda mais num tema como este) é que muita coisa está dita em forma de canção, ou seja, nas letras das canções. É outra marca registrada das peças de Golik. Isso resolve várias questões que emperrariam a dramaturgia. Há também momentos com coreografias bem certeiras, atraentes, lúdicas, jogando a favor do ritmo do espetáculo. Na cenografia, também correta, destaco a ótima cena em que as carteiras da sala de aula viram as caravelas do período dos grandes navegadores.

Vá ver História do Brasil, com o pessoal da Cia. Viradalata. A coragem do grupo merece toda a sua atenção. É desse tipo de exemplo que a classe artística está precisando para se inspirar e seguir em frente, sem esmorecer, sem autocensura, sem medo de encarar temas considerados delicados e até tabus. Pois ‘eles‘ – esses arremedos atuais de governantes – passarão e o teatro, ah o teatro, esse certamente ficará, se todos forem corajosos como Golik e sua turma, que não estão afrontando ninguém, ofendendo ninguém, provocando ninguém – estão apenas prosseguindo com seu trabalho da forma mais clara e honesta possível, abertos para os debates, expondo ideias, acreditando na arte, valorizando a infância e, o que é mais lindo, dando a cara a tapa em época de ânimos acirrados. Medo não! Teatro sim!

Serviço

Local: Teatro Viradalata
Endereço: Rua Apinajés, 1.387, Perdizes, São Paulo
Telefone: 11 3868-2535
Capacidade: 270 lugares
Quando: Domingos às 16h
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia)
Temporada: De 9 de março a 30 de junho de 2019
Fotos: Natalia Angelieri