Crítica publicada no jornal Última Hora
Por Luiz Sorel – Rio de Janeiro – 05.11.1988

 

Um Unicórnio Equivocado

No Teatro da cidade, um dos nossos mais laureados autores, Paulo César Coutinho, tem o seu belo e poético texto, O Unicórnio, desrespeitado ao extremo numa montagem cheia de equívocos, que chega até a empanar as imagens oníricas que o texto propõe.

A montagem é equivocada, parece que não houve uma análise profunda do texto, o que seria o caminho lógico para um grupo que acaba de se formar, vindo de uma boa escola de teatro. Todo mundo sabe que o processo teatral exige, antes de mais nada, uma total compreensão das palavras a serem emitidas. Só depois do dissecamento do texto e de suas ideias básicas é que se parte para uma segunda etapa: a elaboração dos personagens e do próprio espetáculo em si. Não basta ter um texto de qualidade, como é o caso, mas desenvolvê-lo cenicamente coerente com a ideologia do autor. A criatividade do diretor deve funcionar como um agigantamento das palavras, sem construir imagens de dúbio sentido que prejudiquem a compreensão do texto.

O encontro do unicórnio com o príncipe exige uma grande alma poética e muito cuidado, além de sutileza, o que falta na montagem. É o típico caso em que o texto pede um tratamento e a direção dá outro. É sabido também que a responsabilidade do autor termina quando começa a do diretor e a do diretor, quando o pano abre e fica na mão dos atores; mas este processo todo deve estar equilibrado num resultado harmônico, onde a inventividade dos envolvidos (autor, diretor, música, atores, etc.) se soma. No caso de O Unicórnio, aconteceu o contrário: o autor foi para a cucuia, o que é, no mínimo, constrangedor, pois sua trajetória teatral é das mais importantes para a dramaturgia brasileira.

Talvez tenha havido algum contratempo na produção ou no processo de elaboração. Todos sabemos as dificuldades que o teatro infantil enfrenta, mas isso não é desculpa, pois é na dificuldade que a criatividade cresce de forma surpreendente.

Como conheço o texto e já o li, é que a surpresa bateu forte contra tudo o que eu havia imaginado numa montagem teatral. Continuo achando uma beleza de texto, com pesquisa histórica, poesia e narrativa fluente. Não se preocupe, Paulo César Coutinho, a sua seriedade e a sua credibilidade não ficaram abaladas, apesar de tudo.