Matéria publicada no jornal O Globo, Rio Show
Por Anna Lucia Tenan – Rio de Janeiro – 20.03.1987
O Ateneu Vale Por Tudo
O Ateneu faz sua estreia oficial hoje no Teatro Ciep Ipanema. O texto de Raul Pompéia foi adaptado por Carlos Wilson, que também assina a direção. O elenco é formado por 40 rapazes e três moças.
Um elenco de 43 atores adolescentes, com 22 estreantes, uma peça de longa duração (duas horas e meia), baseada em um livro clássico, apresentada em um teatro novo, que será inaugurado na estreia deste espetáculo, e de difícil acesso ( fica no interior de um Ciep). Todos devem estar pensando que é mais um espetáculo monótono, incapaz de atrair público. Mas se enganam, porque O Ateneu, de Carlos Wilson, inspirado no livro homônimo de Raul Pompéia, que estreia hoje, às 21 h, levou, no mês passado, 2.500 pessoas ao Teatro do CIC (Rua Alberto de Campos, 12), nos dez dias de ensaio aberto ao público, segundo o diretor Carlos Wilson. E muita gente ligada ao teatro compareceu, como a atriz Marieta Severo e sua filha, a atriz Sílvia Buarque, o ator Felipe Camargo, além do Diretor de Ópera do Teatro Municipal, Fernando Bicudo, que prometeu ir à estreia.
A maioria saiu do teatro emocionada, enaltecendo mais este trabalho de Damião, como Carlos Wilson é conhecido, e alguns assistiram novamente:
– Achei fantástico, emocionante, e quando terminou, comecei a chorar. Assisti duas vezes e, na última, levei minha mãe – a atriz Marieta Severo – , que também adorou. É o melhor espetáculo do Carlos Wilson, diz Sílvia Buarque.
Fernando Bicudo garante “que a peça permanece viva em nossa mente e a direção é cuidada nos mínimos detalhes. Parece ter sido feita como um bordado”.
O Ateneu produzido pelo diretor e os atores, que até pintaram as paredes do teatro, tem cenários e figurinos de Damião, e uma participação muito especial: a música-tema é de Milton Nascimento. “Ele assistiu a um ensaio e gostou do que viu e prometeu comparecer à estreia”, explica o diretor.
O cenário despertou grande interesse na plateia, como em Felipe Camargo, que, quando começa a falar da peça, logo lembra dos 15 bancos de madeira que compõe magicamente (transformam-se em grades, chuveiros, por exemplo) a cenografia. Criado durante os ensaios quando o diretor precisou de material e usou os bancos da sala de aula do internato, onde se desenvolve a história. Aí começou a brincar com eles, como em um jogo de cubos, brincadeira favorita na infância, e resolveu fazer o cenário só com os bancos.
– A peça é muito bonita, porque fala da adolescência, da força do jovem e sua rebeldia diante da opressão. Além do amor e da amizade. Gostei dos cenários, uns bancos, que me chamaram a atenção – afirma Felipe.
O elenco é formado por 40 homens e três mulheres e, para equilibrar esta diferença, Carlos Wilson trabalha nos bastidores com uma equipe feminina, e o texto foi escrito pela atriz Adriana Maia, para dar mais um toque feminino. A peça apresenta, de maneira lírica, a nudez, quando os meninos tomam banho e também quando a cigana Ângela, interpretada por Isa do Eirado, tira a blusa em uma cena. Além do relacionamento entre dois meninos no colégio.
– Participo de uma cena homossexual que me preocupou muito, porque minha estrutura familiar é muito machista, meu pai e meu tio são demais – É filho do compositor Paulo Sérgio Vale e sobrinho do cantor e compositor Marcos Valle – mas me dediquei bastante e consegui superar meus preconceitos, diz Anco Valle, 21 anos.
O mais difícil, segundo Damião, foi disciplinar o grupo, nos oito meses de ensaio, e acompanhar os diversos problemas que cada um enfrentou neste período.
– Mas valeu a pena porque hoje somos uma grande família. Assim, brigo com eles e não procuro me colocar na posição de um jovem, como os pedagogos recomendam. Sou eu mesmo, por isso nos entendemos, explica.
– O espetáculo é bem interpretado pela equipe de jovens. Aliás, Damião se mostrou um mestre em extrair o melhor da personalidade de cada ator, elogia Fernando Bicudo.
Desde os 19 anos, Carlos Wilson trabalha com adolescentes. Já adaptou e dirigiu Capitães de Areia; Guarany, indicado para o Mambembe em 84; Quatro Meninas, que o indicou também para o Mambembe 86, como personalidade do ano, entre outras. Existe um folclore em torno dele: descobridor de novos talentos, como Malu Mader e Felipe Camargo. Mas não gosta que o identifiquem assim, embora revele a descoberta de mais talentos neste elenco e se recuse a dizer os nomes, “porque é relativo, existem pessoas que, ao longo do tempo, despontam”, acrescenta o diretor.