Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 18.09.1994
A fábula bem atualizada
Juntos há três anos, os Mercadores de Histórias, da Cia. de Teatro Canta, Brinca e Conta, começaram sua carreira no Mercado São José de Laranjeiras, ainda no tempo em que era possível desenvolver alguma atividade artística no local. Apoiados pela colaboração espontânea do público, que depositava o valor arbitrário do ingresso num chapéu, passado ao final de cada espetáculo, os mercadores marcaram sua trajetória mambembe com um repertório inspirado na commedia dell’arte e nas farsas medievais, quase sempre apresentando ao ar livre.
O Flautista de Hammelin, de Andersen, ganha na versão de Patrícia Ventania, fundadora e diretora do grupo, alguns personagens a mais, que possibilitam ambientar a história nos bastidores de uma companhia de atores saltimbancos, prontos para mais uma apresentação. A inserção, na Hammelin original do conto dinamarquês, de problemas urbanos, como o descaso administrativo, a corrupção dos dirigentes e o caos sanitário, faz com que a plateia se identifique com as situações vividas pelos personagens. A trilha musical, retirada literalmente do filme Cabaret, de Bob Fosse, é uma oportuna citação da proximidade entre a vida real e o teatro de variedades.
Reproduzindo o mais fielmente possível o ambiente da commedia dell’ arte – apresentações ao ar livre, com o público muito mais à vontade para interferir no espetáculo do que se estivesse num teatro -, os atores Flavio Lobo, Nilton Marques e Patrícia Ventania carregam propositalmente no tom forte dos clowns. Condição imprescindível para impedir que a plateia participe além do necessário e eventualmente invada o picadeiro. A manipulação de fantoches, no palco improvisado da carrocha cenográfica, é um bem – utilizado truque teatral que soluciona a invasão e a expulsão dos ratos da fictícia e mal administrada cidade de Hammelin.
Contando apenas com seu potencial vocal e com figurinos bem coloridos, O Canta, Brinca e Conta enfrenta a dificuldade de se apresentar num espaço aberto, cercado de muitos ruídos, que interferem na história. Em nome do esforço de chamar a atenção do público em momentos críticos, exageros são cometidos. Nesse caso, a exclusão de alguns cacos muito particulares seria benéfica ao espetáculo. E o esforço de manter uma companhia estável, com bem-cuidado repertório, seria melhor recompensado.
O Flautista de Hammelin está em cartaz no Museu da República, aos sábados e domingos, às 17h. Entrada franca.
Cotação: 2 estrelas (Bom)