Matéria publicada no Jornal O Estado de São Paulo
Por Bia Reis – São Paulo – 23.04.2014

Dib Carneiro Neto pensa a maioridade do teatro infantil
Jornalista e dramaturgo lança Já Somos Grandes, sobre o avanço das produções nacionais

A profissão fez com que Dib Carneiro Neto se tornasse um espectador privilegiado do teatro infantil de São Paulo nos últimos 20 anos. Como repórter e editor do Caderno 2, do Estado, posto que ocupou até 2011, Dib viu o teatro feito para crianças se transformar. “Havia muito oportunismo. Qualquer um pegava uma fantasia, decorava um texto, apresentava para as crianças e achava que estava fazendo teatro infantil. O avanço foi muito grande. Hoje, há menos didatismo e mudou o jeito de abordar a criança. A qualidade dos atores, do texto, das produções, tudo melhorou”, conta Carneiro Neto, que lança o livro Já Somos Grandes (editora Giostri), nesta quarta, 23, na Livraria da Vila, unidade Jardins.

No livro, ele reúne textos de debates dos quais participou recentemente, com discussões sobre as tendências do teatro para crianças e o papel do humor nas montagens; uma retrospectiva de 2001 a 2012 com as principais temporadas apresentadas no período; e uma série de entrevistas e de críticas publicadas no Estado e na coluna semanal que mantém atualmente no site da revista Crescer. A ideia, afirma Carneiro Neto, é dar ao leitor “um panorama de temas, linguagem, estéticas e fantasias que ocupam os palcos no século 21”. Por fim, o jornalista, membro da comissão de teatro infantil da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA), traz um capítulo sobre os rumos do teatro.

A ideia de reunir tal material nasceu depois que Carneiro Neto publicou Pecinha É a Vovozinha (editora DBA), uma coletânea de críticas de teatro infantil. “Há carência de bibliografia na área, e é importante que as pessoas que fazem teatro tenham parâmetros para avançar, para melhorar”, afirma.

No livro, o jornalista e dramaturgo traz uma visão otimista sobre o teatro infantil. Logo no prefácio, apresenta um texto de Bárbara Heliodora, publicado no Suplemento Dominical do Jornal do Brasil nos anos 60, em que ela chama a atenção para a falta de qualidade e de critério das peças infantis. Segundo ela, havia dois erros básicos: o da suposta pedagogia e o da exacerbação emocional gratuita. “(…) Ambos esquecidos de que o teatro é uma experiência artística, estética, uma experiência independente, autônoma, ligada ao que é definível especificamente como uma ação dramática”, diz Bárbara no texto.

Para Carneio Neto, as premiações – entre elas o Prêmio Femsa de Teatro Infantil e Jovem e o da APCA –, a cobertura da imprensa e as leis de fomento foram fundamentais para o avanço do teatro infantil. “A transformação do mundo e da criança também modificaram o teatro. Hoje conseguimos tratar de temas que eram tabus”, conta. Ele cita ainda a vinda do Cirque du Soleil, a partir de 2006, como fato importante para o setor. “Espetáculos de altíssima qualidade também trouxeram novas referências, novas possibilidades.”

Com os incentivos e as novas referências, os grupos paulistas passaram a levar para os palcos textos mais bem apurados, a reunir atores mais qualificados e a investir mais nas produções. Além de trilhas sonoras originais, compostas especialmente para os espetáculos, as fichas técnicas de espetáculos agora trazem profissionais de desenho de luz, nome atual para a iluminação, e visagistas, responsáveis pela caracterização visual das personagens de forma mais ampla do que maquiagem.

Outra boa constatação é a redução do didatismo nas peças infantis. “O teatro para crianças sempre esteve muito atrelado à questão educativa. Era peça para ensinar a escovar os dentes, peça sobre o dia do índio. A montagem tinha de ter uma lição de moral. Com o tempo, os grupos foram rompendo as barreiras, refletindo sobre a arte”, conta. Para o jornalista, a escola de uma forma geral ainda tem a visão de que, para levar o aluno ao teatro, é preciso que a peça possa ser “aproveitada” de alguma forma. “Como se o sonho e a imaginação não fossem importantes por si só.”

Futuro. O tom do livro é otimista, mas Carneiro Neto diz que ainda há muito o que avançar. “Apesar do filão que se tornou o teatro para crianças, ainda há preconceito da própria classe artística. Muita gente acha que é uma forma de teatro mais descartável, mais consumista, que é preciso vender camiseta, fazer sorteio depois da peça”, explica o dramaturgo. Outro desafio é tratar de temas ainda tabus. “Avançamos – hoje há peças que falam de morte, por exemplo, que era um tema difícil de ser tratado. Mas há barreiras para romper.”

Carneiro Neto também aponta como desafio o teatro para adolescentes, cuja produção é inconstante. “Há anos em que temos uma diversidade de peças e em outros elas já são raras”, conta. Para ele, isso ocorre porque a concorrência com outras formas de diversão, como a música e a internet, é muito grande nesta faixa etária. Os autores e produtores que aceitam o desafio, porém, têm as salas cheias. “Existe público. E quando o adolescente gosta de determinada peça, vai em bando, vira fã e assiste várias vezes a mesma montagem.”

Serviço

Já Somos Grandes
Autor: Dib Carneiro Neto
Editora: Giostri (222 págs,. R$ 35)