Crítica publicada no Site Pecinha é a Vovozinha
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo -15.12.2017

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Os Músicos de Bê a Bach. Fotos Vitor Vieira

Bê a Bach: parceria entre as cias. Noz e Furunfunfum, em cartaz só até sábado (16) no CCBB – SP

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Dança para crianças enfrenta preconceito dos adultos

Bê a Bach e Eufonia são digníssimos representantes de um teatro feito de riscos e ousadias estéticas, sem textos nem enredos lineares – opções que normalmente levam os pais a questionarem: “Mas isso é mesmo para criança?”

Muito se fala em temas considerados tabus no teatro para crianças. Mas não são só os temas que geram polêmicas e fazem os adultos questionarem se determinada peça é apropriada ou não para seus pequenos rebentos. Alguns formatos (gêneros, linguagens, estéticas) também são tabus, no sentido de que muitos pais preferem não levar seus filhos, achando que não se trata de um espetáculo infantil.

É o caso da dança para crianças, ainda muito incompreendida, a meu ver. Por serem atrações quase sempre sem enredos lineares, sem texto, criadas com força na comunicação (expressão) corporal e com trilhas sonoras quase sempre sofisticadas, não é raro ouvirmos na plateia os papais e mamães comentando: “Isso não é peça para criança…”

Mas é.

Melhor: algumas dessas peças até se encaixam na onda do “teatro para todas as idades”. Pais e filhos terão fruições diferentes, claro, mas há inegáveis atrativos para qualquer faixa etária. Basta diminuir a ansiedade e se entregar ao ritmo proposto no palco. O problema é que vira tabu porque os próprios adultos muitas vezes não sabem como apreciar essas peças. São espetáculos que fazem pensar, que estimulam sentidos, que se apoiam muito mais em sugestões e metáforas corporais do que em tramas desenvolvidas linearmente, com começo, meio e fim. Por isso, surge a desconfiança dos pais: “Meu filho vai entender isso?”

Trata-se de uma obsessão equivocada dos adultos: querer que as crianças ‘entendam’ tudo. Dança é uma arte tão completa, tão mista, tão ‘contaminada’ por todas as linguagens artísticas, que dispensa (ou deveria dispensar) esse imediatismo pragmático da ditadura da “compreensão”, do “aproveitamento”.  Coreografias bem pensadas, pesquisadas e executadas têm a capacidade de despertar sensações e toda sorte de sentimentos na plateia, instaurando atmosferas oníricas –  e só isso já não bastaria para agradar uma criança? Só isso já não basta para você querer que seu filho participe dessa verdadeira experiência artística e estética? “A dança faz cócegas no pensamento da criança”, escreveu o mestre e pesquisador Airton Tomazzoni em artigo publicado em nossa seção Pensamentos 

Estou argumentando isso tudo a propósito de dois belíssimos espetáculos de dança para crianças em cartaz em São Paulo neste segundo semestre, encerrando suas temporadas neste fim e semana: Bê a Bach, das Cias. Noz e Furunfunfum, no CCBB-SP, e Eufonia, da Cia. dos Pés, no SESI-SP. Se não viu, corra.

Esse segundo, Eufonia, comemorando os dez anos da rio-pretense Cia. dos Pés, lança um olhar poético sobre o momento de se descobrir o mundo e seus detalhes infindáveis, o momento em que a criança começa a ‘perceber’ o universo à sua volta. Sentir calor, sentir frio, identificar um cheiro, um som, um silêncio, cair, tropeçar, engatinhar, levantar, chorar, rir… Eufonia é, nesse sentido, um trabalho muito competente e criativo, mas que justamente mexe com a falsa lógica adulta de que, para atrair criança, a peça precisa ser fácil, direta, clara, objetiva, ágil e… ter uma “historinha”. Quem proclamou que “criança de hoje” não gosta de silêncio ou de hiatos poéticos morosos em cena? Criança de hoje?! Pra começar, não existe só um tipo de “criança de hoje”.

 Gosto em Eufonia sobretudo do carisma de sua criadora-intérprete, Angélica Zignani. O diretor Linaldo Telles, que também assina o vistoso figurino, soube valorizar nela uma leveza que chega a ser tocante.   Encarnando uma cigarra em seu jardim, Angélica nos contagia com uma delicadeza diáfana e uma sucessão de gestos precisos, tão expressivos quanto plásticos – com crédito também, claro, para a diretora de movimento Mariane Cerilo.

O cenógrafo da companhia dá sempre um show à parte. Cria verdadeiras ‘engenhocas’ cenográficas que causam espanto, prazer estético, curiosidade e contemplação. Kesler Jamal Contiero mais uma vez demonstrou ser um grande artista visual. Suas estruturas de vime suspensas ajudam a estimular a leveza da encenação, ao mesmo tempo em que têm uma teatralidade intrigante até mesmo para os adultos. Na dobradinha com a iluminação de Fuad Jamal Neto, a proposta cenográfica ganha uma completude harmoniosa. Vira um jardim convidativo, tanto quanto misterioso – casando com a ideia de estímulo e valorização das nossas primeiras descobertas.

Bê a Bach, por sua vez, traz quatro intérpretes (Aline Alves, Nathalia Kwast, Renata Maciel e a própria diretora Anie Welter) ‘agindo’ no palco sob influência do universo sonoro de Johann Sebastian Bach. As cias. Noz e Furunfunfum (Marcelo Zurawski divide a direção geral com Anie Welter) estão juntas no mesmo trabalho pela primeira vez. Deu certo. É tudo muito delicado, estimulante, conceitual, sem ser pedante nem chato.

É bem apropriado para a primeira infância. Tem música ao vivo (flauta, violão e violoncelo), mas a trilha se completa com gravações de música eletrônica, resultando em bom casamento do clássico com o contemporâneo. Também sem assumir um enredo linear, Bê a Bach parece todo dividido em segmentos, embora isso não seja assumido. Eu me refiro aos movimentos coreográficos que ora valorizam pés, depois mãos, depois as cabeças, depois entram as figuras geométricas, em seguida o jogo de cores (argola que vai sendo colorizada pela excelente iluminação, a cargo de Kleber Montanheiro) e assim por diante. As sombras dos corpos das atrizes nas paredes laterais acabam incorporadas ao visual e à cenografia, de forma agradável e criativa.

Os figurinos de Amarilis Arruda são incríveis, sobretudo as vistosas cabeças. A flor que vira vestido é muito bem executada. A parte das acrobacias aéreas, por assim dizer, é também muito bem feita, lembrando notas musicais suspensas no ar. Lindo. As crianças ficam vidradas olhando, e os pais se encantam.  A inegável aproximação dessas escolhas da diretora e cenógrafa Anie Welter com a estética consagrada do grupo XPTO, do qual ela fez parte desde sempre, chega a emocionar, pelo que representa de inspiração e de base sólida conquistada, jogando a favor das novas ‘viagens’ estéticas da talentosa Anie.

De tal forma que Eufonia e Bê a Bach comungam da mesma cartilha da arte mista e múltipla, dramaturgia sem palavras, mas com muito conceito. Duas dicas preciosas para você que pensa que seu filho só vai curtir espetáculos de texto convencional e linguagens menos arriscadas. Pelo fim dos tabus estéticos! Pelo fim do preconceito que faz como vítimas os formatos cênicos mais ousados! Criança é apta para tudo captar, com seus diferentes níveis de compreensão e atenção. O que é preciso diminuir é a ansiedade de seus digníssimos progenitores.

Bê a Bach

Local: CCBB – Centro Cultural Banco do Brasil
Endereço: (Rua Álvaro penteado 112 – Sé)
Telefone: 3113 3651
Capacidade: 112 pessoas
Duração: 50 min
Quando: Sábados, às 11h
Classificação etária:  A partir de 1 ano
Ingressos: R$ 20,00 (inteira) e R$ 10,00 (meia).
Temporada: De 5 de agosto a 16 de dezembro de 2017 – Só até Sábado (16)

Eufonia

Local: Mezanino do Centro Cultural Fiesp
Endereço: Avenida Paulista, 1.313 – Cerqueira César, São Paulo
Telefone: (11) 3528-2000
Capacidade: 50 pessoas
Quando: sextas, às 15h; sábados, às 11h e 15h, e domingos, às 11h
Duração: 50 minutos
Classificação etária: Livre
Ingressos: Grátis. Reservas pelo site www.centroculturalfiesp.com.br
Temporada: De 10 de novembro a 17 de dezembro de 2017 – Só até Domingo