Matéria Publicada no Jornal do Brasil
Por Rachel Almeida – Rio de Janeiro – 11.10.2005

Artistas, diretores e crítico discutem a qualidade dos espetáculos teatrais produzidos para as crianças

Basta consultar a programação cultural da cidade para perceber que espetáculos infantis é o que não falta nos palcos cariocas, principalmente com a proximidade do Dia das Crianças, comemorado amanhã. Mas alguns críticos, diretores, pesquisadores e atores que atuam na área alertam que a boa oferta não significa que seja tarefa simples encontrar qualidade. Falta de incentivo, tanto para a montagem das peças como de prêmios, interesses estritamente comerciais ou didáticos e falta de espaço na mídia, dizem eles, podem estar levando os pais e sua prole a encarar um programa furado.

Não há unanimidade na classe em relação às discussões que envolvem a produção infanto-juvenil brasileira. Se, por um lado, existem profissionais que apontam para uma crise na área, outros, mesmo reconhecendo problemas, preferem enfatizar que as conquistas dos últimos anos são maiores que as derrotas.

Para o crítico de teatro infantil do JB, o dramaturgo e diretor Carlos Augusto Nazareth, a extinção de prêmios como Coca-Cola, Molière, Mambembe e Maria Clara Machado, que indicavam os melhores espetáculos em cartaz, é um dos fatores que contribuem para que o espectador não tenha uma referência na hora de escolher o que assistir.

– Estou assustado com a falta de qualidade dos espetáculos de 2005. Estamos nos arriscando a perder uma geração de espectadores porque o teatro infantil não está exercendo uma de suas funções, que é a formação de plateia.

Hoje, a falta de prêmios e a diminuição do espaço na mídia, em reportagens e anúncios, deixaram o espectador sem instrumentos para julgar os espetáculos, a não ser pela crítica, o que não é suficiente – analisa Nazareth.

A diretora e atriz Cacá Mourthé, sobrinha da dramaturga Maria Clara Machado e herdeira do Tablado, não reclama de falta de reconhecimento do público. O espaço que administra, assim como sua fundadora, é referência do teatro infantil brasileiro. Mas Cacá se ressente da falta de patrocínio: a montagem atual do clássico O Rapto das Cebolinhas foi produzida apenas com dinheiro do caixa do Tablado.

– O prêmio Coca-Cola era um grande incentivo nos anos 90. Havia tanto o dinheiro da premiação como o patrocínio para montagens. Não era muito, mas o suficiente para começar a produção de bons espetáculos – avalia Cacá, que também se queixa da queda de público.

– A plateia do Tablado caiu bastante se comparada a 15 anos atrás. Acredito que perdemos parte dos espectadores para os teatros de shopping, que são mais práticos para as mães. Muita gente leva o filho ao shopping, o deixa assistindo a uma peça com a babá e aproveita para fazer compras.

E depois pode lanchar ali mesmo. Muitas vezes, a mãe nem sabe se o que o filho está vendo é de qualidade ou não.

A dramaturga, diretora e pesquisadora Maria Helena Kühner, autora, entre outras obras, do livro Teatro Popular – Uma Experiência costuma acompanhar festivais nacionais de teatro e afirma não ter assistido a nada que despertasse seu interesse ultimamente. Entre outros problemas, ela aponta para os efeitos nocivos dos espetáculos caça-níqueis.

-É o pior do teatro infantil. São produtores que veem nas peças apenas um produto a ser vendido, e na criança apenas um público consumidor para o qual fazem desqualificadas “adaptações” de Cinderelas, Três Porquinhos, etc. Ou então são mero pretexto para correrias, tombos e gracinhas supostamente divertidos. Todo espetáculo que foi realmente marco do teatro partiu de um bom texto – diz Maria Helena, que em breve vai lançar um catálogo de dramaturgia com mais de 5 mil obras, entre elas cerca de 800 dedicadas ao público infantil e jovem.

A autora acredita que a premiação é uma forma de por um selo de qualidade em uma produção, além de ser um estímulo para quem faz:

– Quem é contemplado ou mesmo indicado para um prêmio, seja em que categoria for, passa a incluir esse dado no currículo. O reconhecimento trazido pela seleção de um júri categorizado representa uma informação mais do que válida, importante e necessária. Sem isso, os pais e professores ficam perdidos, quase sem critérios de escolha que os orientem.

Integrante do grupo Hombu, que se originou do revolucionário Grupo Ventoforte, ainda em atividade, e há 28 anos na estrada, o ator, compositor e diretor musical Ronaldo Mota também critica as peças com fins comerciais.

– Muitos produtores criam uma competição desigual ao levar a linguagem e os trejeitos de programas infantis da televisão para o palco. Outros montam coisas esdrúxulas como Os Três Porquinhos Viajam à Terra do Nunca e acabam ganhando uma grana. Mas também acredito que, atentas a essa queda de qualidade, empresas dispostas a patrocinar grupos começaram a buscar aqueles que desenvolvem uma pesquisa de linguagem, analisa ele, lembrando que o Hombu ganhou da Telemar o patrocínio para a montagem de Os Diferentes, em cartaz no Teatro Planetário/Maria Clara Machado.

A autora e diretora Karen Acioly, que comanda o Centro de Referência do Teatro Infantil, no Teatro do Jockey, reconhece que existe uma leva de espetáculos ruins em cartaz, mas pondera que os pais estão se organizando para uma melhor circulação de informações, envolvendo não só a qualidade das montagens mas também assuntos variados referentes ao universo infantil.

Grupos devem se especializar

Karen Acioly, que comanda de amanhã a 30 de outubro o III Intercâmbio de Linguagens para Criança, no Teatro do Jockey, lembra que a internet é uma aliada.

– Posso citar, por exemplo, o site Amigas da Pracinha, www.amigasdapracinha.com.br, criado por mães que se conheceram na pracinha mesmo e trocam informações sobre vários assuntos, inclusive a qualidade de espetáculos a que assistem. Já passei por anos com prêmios, anos sem prêmios, e não acho que dois ou três deles possam influir no naufrágio ou no grande êxito do teatro infantil nacional. Acho importante focar nas conquistas dos últimos anos, como o aprimoramento de linguagens e a presença maior de profissionais especializados no setor: gente que não usa o teatro infantil apenas como uma escada, afirma.

O dramaturgo e diretor Marcus Vinícius Faustini também não acredita que a falta de premiações seja o grande problema. Diretor do teatro da Cidade da Criança, em Santa Cruz, e no comando do projeto Cena Oeste, de ajuda a grupos de teatro infantil da região, ele defende que são as ações de continuidade que vão influenciar no aumento da qualidade das peças.

– O Cena Oeste é um projeto que busca a melhoria artística e a profissionalização de grupos, que são escolhidos por edital. Também temos oficinas que oferecem técnicas de formação, buscando superar o amadorismo, conta.

Faustini, que desde abril encena no espaço o espetáculo Comédia do Coração, baseado em obra de Ariano Suassuna e já visto por mais de 15 mil espectadores, procura incentivar os trabalhos que invistam na cultura popular.

– Existe muita coisa sem qualidade em cartaz sim, grande parte por causa da força da indústria cultural. Quero fugir de peças como Os Três Porquinhos Encontram o Superman e incentivar a linguagem popular de qualidade. Também é preciso deixar de lado o didatismo, essa prática de montar peças temáticas porque está chegando o Dia da Árvore, por exemplo. É preciso mostrar à criança que existe uma saída lúdica para apreciar o mundo.