Raul Serrador e Ana Aguiar: o cavaleiro e a donzela

Matéria publicada no Jornal O Dia
Por Armindo Blanco – Rio de Janeiro – 09.02.1995

Os Olás do Nosso Pobre Dia-a-Dia

Imaginem Ninguém falando com Nada. Um poeta/dramaturgo que, acometido de esgotamento cerebral, descobre, de repente, o estranho fato de existir. Uma peça em que o protagonista é uma voz sem pessoa e no palco vazio só muda a iluminação. Uma outra em que a ação dramática inexiste e tudo se resume nos gestos e movimentos. Ou ainda as palavras como coisas, redundando em metonímias e onomatopeias.

Tudo isso e o mais que deixaremos para outra oportunidade é Jean Tardieu, 1903/1995). Ou o teatro de Jean Tardieu. Tão pouco encenado aqui que continua difícil de explicar a quem nunca viu e às vezes mesmo a quem viu (o chargista Jaguar, meu insistente leitor assíduo, disse não ter entendido nada do obituário que publiquei quando chegou a notícia de que Tardieu morrera).

Então, talvez valha a pena começar por explicar, já que nem todo mundo tem o Aurélio, o que são metonímias. Aliás, o próprio Tardieu explicou no título de uma de suas peças: Uma Palavra por Outra. Exemplos: “porto” em vez de “vinho do porto”; “um Camões”, em vez de “um livro de Camões”; tomar “um copo” em vez de “uma bebida”; “trabalho” em vez de “obra”. Quanto a onomatopeias, são palavras que imitam o som natural da coisa significada, como tique-taque, reco-reco ou bisbilhar (exemplo lírico, catado pelo Aurélio: a fonte que bisbilha).

Os Amantes do Metrô é uma peça abstrata feita de metonímias e onomatopeias. De gritos e sussurros. De pessoas que só existem quando, eventualmente, se colocam como obstáculos diante de nós e logo retornam ao anonimato gregário em que vegetam. De saudações apressadas, convencionais, como olá (Uma pessoa diz olá. Uma outra responde: olá. E seguem o seu caminho sem se concederem qualquer importância mútua, seja na rua, no local de trabalho ou num show dos Rolling Stones).

Perguntará o leitor que não vai ao teatro só para ver estrelas de TV: mas isso não é Ionesco? Obaldia? Beckett? Pinter? Sim. Mas foi Tardieu, com os poemas para representar e as sinfonietas de câmara, que inventou o teatro do absurdo, sobre a crescente banalização do homem e da linguagem num mundo desumanizado.

Advertência: não devem ser alimentadas certas expectativas que o título Amantes do Metrô poderia suscitar. Na lúcida visão do diretor Renato Icarahy, a “aventura romanesca” se esgota na luta do rapaz para salvar a donzela do dragão do aniquilamento.

Perdida entre os anônimos aglomerados nos subterrâneos do metrô, ela está prestes a diluir-se na “massa humana”. E o “cavaleiro urbano” tenta chegar até ela, verificando, então, que há pessoas entre os dois e que é preciso, para desimpedir o caminho, remetê-las à sua condição habitual de gente sem rosto e sem alma.

Isso posto, imagino outra pergunta do leitor: vale a pena ver?

Digamos que o teatro de câmara de Tardieu se dá mal num palcão como o Villa-Lobos. O entra-e-sai mecaniza-se, ganha um tom marcial. E o espetáculo resulta árido, tão custoso de decodificar ao primeiro relance como o universo cúbico de Matisse.

De qualquer modo, Raul Serrado e Anna de Aguiar são presenças de estuante vitalidade, num elenco disciplinado, mas com muito chão de um lado para outro só para dizer olá.

Serviço

Teatro Villa-Lobos
Av. Princesa Isabel, 430, Copacabana
Tel: 275-6695
De 5ª á sáb. 21h e dom., 20h.
R$ 10