Crítica publicada no Jornal O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 29.12.1979
A Cabeça, os Olhos e o Coração
Com Panos e Lendas, em cartaz no Teatro Cacilda Becker, é um espetáculo que merece ser visto. Os dois atores, José Geraldo Rocha e Vladimir Capella, que receberam tantos prêmios pela montagem paulista realizada em 1978, colocam perante a criança, através de uma seleção inteligente, várias lendas brasileiras habilmente interligadas. No momento em que termina o Ano Internacional da Criança, a peça Com Panos e Lendas deve ser considerada, no mínimo, como obra de utilidade pública: ela propõe à criança a ideia de que há outros heróis e outros mundos espalhados por aí e que não são tão famosos como outros porque, simplesmente, não dispõem de um bom agente publicitário para lançá-los através dos meios de comunicação. Com Panos e Lendas é um retrato de um tipo de Brasil cada vez menos conhecido. As crianças brasileiras hoje sabem muito mais sobre apaches e comanches do que sobre tupis e tapuias. Sabem mais da história da conquista do Oeste norte-americano do que sobre o que aconteceu com seus, nossos, antepassados. Nesse sentido, Com Panos e Lendas, é um espetáculo-testemunha de um segmento da cultura nacional cada vez mais desaparecido. O espetáculo, dirigido por Ivan Merlino e Vladimir Capella, parece ter alguns pontos em comum com a encenação paulista, Vladimir Capella foi o diretor da montagem em São Paulo. O título diz bem o que é: as lendas são o texto; os panos, a encenação. Os cenários e os figurinos são elaborados com o sentido de dar a dinâmica, o brilho e o envolvimento. A dupla Valnice Vieira e Nora Vianna, responsável pelos cenários e figurinos, é a mesma que trabalhou em São Paulo, tendo recebido o Troféu Mambembe como melhor figurinista; ainda no espetáculo paulista temos a música de Vladimir Capella, que lhe deu o Prêmio Molière. Até a metade, o espetáculo tem música, canto, dança, recursos visuais, mas falta um certo brilho. A encenação cria um bom interesse, mas não chega a encantar. Entretanto, a partir do Macunaíma, na excelente intervenção de Otávio César, parece que os atores e a direção ficam mais soltos, mais disponíveis, e rendem muito mais. É muito boa toda a sequência da lenda do macaco que perdeu o milho. E a encenação, pelo menos para nós, adultos, chega a ser comovente no momento das músicas de roda, essa entretanto, é a única hora em que a luz de Aurélio di Simoni não funciona, criando uns focos que esfriam o que deveria ser quente. Com Panos e Lendas é um espetáculo que enriquece o espectador adulto ou mirim. Atinge a cabeça, os olhos e o coração.
Com Panos e Lendas
Musical infantil de Vladimir Capella e José Geraldo Rocha
Texto inspirado em lendas indígenas
Direção de Ivan Merlino e Vladimir Capella
Execução de Bonecos: Renato Castello
Direção Musical: Alfredo Machado
Com Marco Miranda, Nádia Carvalho, Octávio César, Helena Rêgo e Ângela Dantas.
Teatro Experimental Cacilda Becker, Rua do Catete, 338
Sábados e Domingos, às 16h
Ingressos: Cr$ 40. Até amanhã