Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone, Rio de Janeiro – 11.04.1992
O fascínio da tragédia
O trágico exerce um grande fascínio sobre o mundo infantil. As histórias de mocinhas maltratadas por hediondas madrastas, feras que devoram vovozinha, maridos que assassinam suas esposas e patinhos rejeitados continuam a ganhar as mais diferentes versões, sempre com muita repercussão junto ao imaginário das crianças.
Sapatinhos Vermelhos, do original de Andersen, recontado por Denise Crispun, chega ao palco do Teatro Cacilda Becker numa versão musical muito interessante. O texto de Andersen conta a história de uma menina que deseja sapatinhos vermelhos, mas ao calçá-los não consegue mais parar de dançar, chegando ao desespero de amputar os pés. Nesta montagem, a tragédia não foi de todo abolida, respeitando, assim, as características do texto original, mas enxertando no enredo outros personagens do universo infantil (a Rainha de Copas de Alice no país das Maravilhas, sereias e gnomos).
A concepção teatral de Beto Brown para o texto de Denise Crispun insere cenas belíssimas de passagem de tempo, como a das banhistas que finalizaram sua coreografia já com um pesado casaco de inverno, soprando neve na plateia. Ou mesmo a inclusão de umas sereias nada convencionais, que lembram divas do cinema dos anos 50 ao deslizarem no palco ao som de Billie Holliday em A fine romance. A direção precisa no entanto, ficar atenta ao ritmo do espetáculo, especialmente do meio para o final da peça, quando cai um pouco. Mas é apenas uma questão de ajuste.
Os figurinos de Ruy Cortes são um achado e funcionam cenicamente de maneira poucas vezes vista num palco. Bem como as músicas do extremo bom-gosto, creditadas a Sérgio Gonzáles, e a criativa coreografia de Steven Harper. O elenco, formado por dez atores, se reveza em cena nos mais diversos papéis, revelando um harmônico conjunto. Em destaque, Débora Secco, no papel de Nina, que emociona o público pela vitalidade de sua interpretação.
Sapatinhos Vermelhos é, sem dúvida, um bonito espetáculo, com todos os requisitos para cativar a sua plateia e manter lotado o Teatro Cacilda Becker, como aconteceu no último domingo.
Cotação: 2 estrelas ( bom )