A literatura se encaminha de forma reflexiva, na direção da produção e interpretação de sentidos, pode facultar o aprofundamento da visão de mundo, resultando em olhares novos e ruptura com os modos instituídos de ver o mundo e de conviver em sociedade.
É sempre tempo de se tornar leitor. Melhor se o contato com a leitura começar na infância, através do convívio com as produções da tradição oral, que atravessaram séculos e são o nosso primeiro leite intelectual na afirmação do folclorista Câmara Cascudo. Melhor ainda se esse envolvimento for enriquecido com livros de autores que produzem textos calcados na função estética da arte, texto que apresentam linguagem inovadora, inventiva, original, e insinuam viagens por mundos diversos, propiciando o alargamento do campo do possível e, em decorrência, a consciência de outras possibilidades de ser e de existir.
Ressaltamos a importância da literatura nos primeiros anos, tendo em vista o quanto esta pode contribuir para a formulação do desejo de ler. A literatura infantil está profundamente identificada ao discurso da criança, funcionando como contraponto escrito da oralidade lúdica e poética da infância. A relação da criança com o mundo é essencialmente lúdica e regida pela linguagem do desejo.
A literatura como espaço da invenção, permite a encenação de tudo aquilo que escapa ao domínio da realidade imediata. É o espaço dos ritmos, dos jogos sonoros, das rimas, da palavra que aponta para múltiplas possibilidades de significação.
Por outro lado, a fantasia é um importante subsídio para a compreensão de mundo por parte da criança. As histórias apresentam de forma simbólica os conflitos com os quais o pequeno leitor se identifica. Como no decorrer da narrativa esses conflitos são resolvidos de uma maneira ou de outra, permitem à criança uma reordenação de suas vivências.
O momento de aprender a ler, especialmente, não pode vir separado do prazer que a leitura proporciona. Ao reunir crianças e livros oferecemos possibilidades para o estabelecimento de relações lúdico-amorosas entre o falar e o ouvir, entre o narrador e o ouvinte, entre o leitor e o livro.
O livro é sonho que se prolonga e pode se repetir, sempre renovado: cada nova leitura atualiza a emoção, a sensação de beleza, o universo de significados inscritos na obra, bem como recupera a melodia e o ritmo da linguagem artística.
A leitura literária mobiliza a bagagem vivencia dos leitores e os tomam íntimos do universo dos livros. Ana Paula Carvalho, da 5a série, expressa bem a maneira como se sente ao retomar desse mergulho pelo livro, que é um mergulho “no tecido vivo” de nossa constituição mais íntima, e do qual nunca retornamos os mesmos: “Quando leio um livro renovo e crio alma nova”.
Nas sociedades autoritárias faz-se presente a repressão da fantasia, do desejo e do sentimento porque isto pode significar movimentos de mudança. Quem pode imaginar outros mundos pode também imaginar atos que encaminhem para a subversão dos valores instituídos.
A escola, umas das instâncias da formação do leitor, deveria ser uma comunidade de leitores e intérpretes de ideias, fazendo circular os mais diferentes tipos de textos, incluindo-se o texto literário, que, por sua especificidade, merece abordagem específica.
Os movimentos de leitura deveriam proporcionar a reflexão via textos, de modo que o leitor possa ampliar seu domínio de compreensão, ampliar horizontes de expectativas, reconhecendo-se com idéias cada vez mais elaboradas sobre si mesmo e sobre o universo em que está inserido.
Um leitor maduro tem maiores possibilidades de dizer coisas para mudar a ordem perversa, de não aceitar as idolatrias sutilmente induzidas pelos meios de comunicação e de reagir frente à massificação que quer todos “gado, número, etiqueta”.
Eloí Elisabet Bocheco
Profª. de Língua Portuguesa e Literatura Infantil, com pós-graduação em Metodologia de Leitura.
Obs.
Texto retirado da Revista FENATIB, referente ao 2º Festival Nacional de Teatro Infantil de Blumenau (1998).