Crítica publicada no Jornal do Brasil
Por Flora Sussekind – Rio de Janeiro – 13.07.1979
A História de um Lápis num Cenário Mágico
Ao mesmo tempo, monólogo de um lápis multicolorido e discussão sobre o processo de criação artística, assim é O Lápis Mágico, espetáculo infantil em cartaz no SESC da Tijuca, com texto e direção de Luiz Sorel, É difícil encontrar um monologo que prende a atenção da plateia infantil por muito tempo. Em geral, a quebra da ação implicada no monólogo costuma motivar um imediato desinteresse por parte da criança. No caso de O Lápis Mágico, a graça não estará apenas na transformação do lápis, sem cor, em produtor colorido de desenhos e histórias ou no texto muito bom de Sorel.
É, sobretudo, no excelente cenário de Gilberto Vigna que se concentram as atenções. Se o que predomina no espetáculo é um monólogo dirigido à plateia, em cena se pode assistir, igualmente, a um constante diálogo entre os diferentes recursos expressivos mobilizados pela peça. Entre o lápis mágico e suas criações dão lugar, na peça de Sorel, a uma discussão sobre o próprio espetáculo. As dúvidas do lápis se estendem da história à encenação. O Lápis Mágico se desenrola num duplo movimento: conta paralelamente a história do lápis as dificuldades enfrentadas pelo artista no processo de criação e sua constante tensão diante dos elementos que o limitam e dos materiais de que se utiliza.
É um pintor quem primeiro ocupa o palco e se dirige ao público. Como se desenhasse, com o lápis na mão, movimenta-se o artista por um cenário constituído de grandes blocos com várias faces, tendo cada face um desenho diverso ou um diferente aproveitamento plástico do mesmo desenho. E, enquanto desenha, fala do seu trabalho e do lápis, seu instrumento de criação. Do monólogo do artista passa-se ao do lápis que ocupa magicamente a cena até o final do espetáculo. Um lápis preto que descobre inúmeras cores, e com elas, vai mudando por diversas vezes a sua ponta e descobrindo novos usos para cada cor. Até que por fim, assimila as cores usadas e se torna um lápis multicolorido e mágico. Na representação do lápis por Daise Polli, surgem no entanto, alguns problemas.
Por vezes, infantiliza demasiadamente seu comportamento cênico, falando com voz fininha e dando saltitos. O que destoa da complexidade de suas falas sobre a criação.
As transformações do lápis são acompanhadas pelas do cenário que funciona como interlocutor e palco para a história encenada. Enquanto o lápis não tem cor, os blocos do cenário também estão em preto e branco. A descoberta das cores, por sua vez, se dá depois do contato do lápis com o cenário. O azul colore a Lua; o amarelo e o laranja, o Sol; e as outras cores dão vida a D. Quixote e a Dulcinéia, cuja história se transforma e se mistura com a do pintor. A magia do lápis atinge os elementos criados que se comporificam e surgem, de repente, no palco. Muito bem, nessa passagem, Ana Lúcia Torre que, depois de um bom trabalho em O Castelo das Sete Torres, interpreta aqui a Lua e Dulcinéia. Interessante, a frequente passagem, de alguns personagens, do cenário ao palco, da imagem desenhada ao corpo dos atores. Serve para quebrar o monólogo e dinamizar ações. Problemática apenas a passagem final à vida do pintor, um pouco brusca e que poderia ser melhor trabalhada, tendo em vista sobretudo a compreensão de espectador infantil.
Na história do lápis,surge também a “Margem”, elemento que com ele dialoga e a ele se opõe. Na tentativa de superá-la, surge uma das cenas mais bonitas da peça. O Lápis chora e quase se afoga em suas lágrimas, mas é salvo por um dos personagens que criara, o Sol. Talvez na caracterização da Margem, se pudesse ter enfatizado menos o seu lado negativo e mais os recursos que obriga o artista a desenvolver. Elemento de que o artista não se pode descartar, serve-lhe a Margem de barreira, mas também de companhia, no processo de criação. Oponente invisível, é no diálogo com a Margem que se dá a criação. Na briga mágica com seus limites, constrói o lápis sua história.
Espetáculo curto e bonito, em O Lápis Mágico, a criança é colocada frente dos problemas e às possibilidades da criação, seus limites e a saída mágica proporcionada pela ficção.