Programa do espetáculo que estreou em 2001, no Teatro João Caetano

(INFORMAÇÕES DO PROGRAMA)

(Capa)

MORTE E VIDA SEVERINA

(Verso da Capa)

Os bois para vender,
os bodes para consumir,
os homens para emigrar.

Darcy Ribeiro

(Página 01)

Os Severinos

Estão em Cena
Adélia Lázari
Amora Pêra, como a mulher da janela
André Luiz Câmara
Angela M. Serrano
Bernardo Figueiredo
Bruno Gomes
Carolina Futuro
Daniel Souza
Danielle Suzuki
Elga Baldez
Gilberto Miranda, como Severino
Fernanda Faria
Forró
Jorge Luís Cardoso
Juliana Rubim
Leila Moreno,
Luiz Fernando Lobo, como Mestre Carpina
Ney Motta
Tuca Moraes
Vinicius Augusto
Zé Trindadea

Marcus Ferrer toca viola
Marcos Lessa toca violão
Laers Hokerberg toca acordeon
Matias Corrêa toca contrabaixo

Texto de João Cabral de Melo Neto
Música de Chico Buarque de Hollanda
Direção de Luiz Fernando Lobo

Direção de Produção de Angela M. Serrano e Tuca Moraes
Cenografia de Cláudio Moura
Direção Musical e Arranjos de Carlinhos Antunes
Iluminação de Aurélio de Simoni
Figurino de Beth Filipecki e Ronaldo Machado
Maquiagem de Rose Versoza
Preparação Vocal de Agnes Moço
Preparação Corporal de Forró
Direção de Imprensa de Ney Motta
Programação Visual de Daniel Souza
Fotografias de Antônio Augusto (capa e páginas 2, 3, 5, 6 e 8) e João Roberto Ripper (contracapa, páginas 4, 5, 9 e 11).
Assistência de Direção de Elga Baldez, Fernanda Faria e Ana Carolina Athayde
Assistência de Ensaio de Marcelo Cabanas
Assistência de Produção de Ana Carolina Athayde
Assistência e Produção de Cenografia de Cláudia Banzai
Assistência de Direção Musical de Marcus Ferrer
Assistência de Figurino de Carla Guerrim e Daniel Pinha
Assistência de Preparação Vocal de Débora Garcia
Web Design de Marcelo Cabanas
Direção de Cena de Ney Villa Velha
Produção Musical de Marcos Lessa
Produção Executiva de Denise Costa
Músicas Adicionais de Carlinhos Antunes e Marcus Ferrer
Construção de Cenário de Adílio Athos e equipe
Confecção de Figurino de Selma Santos e Maria Inês
Contabilidade de Nelma Bello

Agradecemos

a Anita Mantuano, Antônio Bello, Apollo Tintas, Carlos Manthra e equipe do Teatro João Caetano, Cecac, Centro Cultural Veiga de Almeida e equipe, Chico Buarque, Daniela Pedras, Délio Gomes Costa, Elisabeth Nascimento, Flávia Tenório, Gilmar Chaves, Inês Cabral de Melo, Instituto Cravo Albin, Isaías Bezerra, Jaluza Barcellos, Leo Madeiras, Luciene Rimão, Luiz Lobo, Made For TV, Maria Anunciação de Almeida, Maurício Andrade, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, Osmar Alves Papéis, Padre Ricardo Rezende, Patrola, Paulo Falcão, Paulo Pina, Ricardo Barata, Ricardo Cravo Albin, Sérgio Braga, Ultraset Editora, Vera Maia.

(Pagina 02)

O poeta ou outro escritor qualquer,
de um país subdesenvolvido como o Brasil,
não pode desprezar a realidade dolorosa que o cerca.

João Cabral de Melo Neto

(Página 03)

Nós, os Severinos

…a humanidade em trânsito. É uma história perturbadora, pois poucas pessoas abandonam a terra natal por vontade própria. Em geral elas se tornam migrantes, refugiadas ou exiladas constrangidas por forças que não têm como controlar, fugindo da pobreza, da repressão ou das guerras. Partem com os pertences que conseguem carregar, avançam como podem a bordo de frágeis embarcações, espremidos em trens ou caminhões, a pé…viajam sozinhas, com as famílias ou em grupos. Algumas sabem para onde estão indo, confiantes de que as espera uma vida melhor. Outras estão simplesmente em fuga, aliviadas por estarem vivas. Muitas não conseguem chegar a lugar nenhum.

Sebastião Salgado, Livro Êxodos

Em 1954 João Cabral de Melo Neto escreveu Morte e Vida Severina. Como ele mesmo conta, estava impressionado com uma reportagem que havia lido sobre a expectativa de vida na Índia: 29 anos. Era pouco, mas de todo o jeito era um ano a mais do que a média de vida do Recifense: 28 anos.

Nessa mesma época Josué de Castro escrevia sobre a fome que se revelava espontaneamente aos seus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis do Recife. Só mais tarde ele perceberia que os mangues eram “ uma verdadeira terra da promissão, que atraia homens vindo de outras áreas de mais fome ainda” e que” a paisagem humana dos mangues se reproduzia no mundo inteiro”. Eram as negras manchas demográficas da geografia da fome.

Quase 50 anos depois, no ano 2000, as negras manchas demográficas da fome se alastraram. Hoje a maior parte da humanidade vive com menos de dois dólares diários. Hoje já são 130 milhões de pessoas que estão em movimento no mundo. Só no Brasil existem 4 milhões e oitocentos mil trabalhadores rurais sem terra.

Nós ainda acreditamos que os artistas não podem desprezar a realidade dolorosa que os cerca. Por isso criamos Morte e Vida Severina.

Evidentemente as perspectivas não são as mesmas de 50 anos atrás. Os Severinos hoje estão em toda parte. Em todos os continentes, em todas as grandes cidades, em cada monturo de lixo. Mas se somos muitos Severinos, iguais em tudo na vida, se o sangue que usamos continua com pouca tinta, se continuamos a morrer de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte e de fome um pouco por dia, se continua sendo difícil defender só com palavras a vida, hoje, e cada vez mais, sabemos que muita diferença faz entre lutar com as mãos ou abandoná-las para trás.

Nós, os Severinos, continuamos e continuaremos a lutar.

Luiz Fernando Lobo

(Páginas 04 e 05)

Você vê os gregos: o Pégaso, o cavalo que voa, é o símbolo da poesia. Nós deveríamos botar antes, como símbolo da poesia, a galinha ou o peru que não voam. Ora, para o poeta, o difícil é não voar, e o esforço que ele deve fazer é esse. O poeta é como o pássaro que tem de andar um quilômetro pelo chão.

João Cabral de Melo Neto

(Página 06)

No mangue, tudo é, foi ou será caranguejo, inclusive o homem e a lama.

Não foi na Sorbonne, nem em qualquer outra universidade sábia que travei conhecimento com o fenômeno da fome. A fome se revelou espontaneamente aos meus olhos nos mangues do Capibaribe, nos bairros miseráveis do Recife: Afogados, Pina, Santo Amaro, Ilha do Leite. Esta foi a minha Sorbonne. A lama dos mangues de Recife, fervilhando de caranguejos e povoada de seres humanos feitos de carne de caranguejo, pensando e sentindo como caranguejo.

São seres anfíbios, habitantes da terra e da água, meio homens e meio bichos. Alimentados na infância com caldo de caranguejo, este leite de lama, se faziam irmãos de leite dos caranguejos. Cedo me dei conta desse estranho mimetismo: os homens se assemelhando em tudo aos caranguejos. Arrastando-se, acachapando-se como caranguejos para poderem sobreviver. A impressão que eu tinha, era de que os habitantes dos mangues, homens e caranguejos nascidos à beira do rio, à medida que iam crescendo, iam cada vez se atolando mais na lama.

Foi assim que senti formigar dentro de mim a terrível descoberta da fome.

Pensei, a princípio, que era um triste privilégio desta área onde eu vivo, a área dos mangues. Depois verifiquei que, no cenário da fome do Nordeste, os mangues eram uma verdadeira terra da promissão, que atraía homens vindos de outras áreas de mais fome ainda, das áreas da seca e da monocultura da cana-de açúcar, onde a indústria açucareira esmagava, com a mesma indiferença, a cana e o homem, reduzindo tudo a bagaço.

Vê-los agir, falar, lutar, viver e morrer, era ver a própria fome modelando com suas despóticas mãos de ferro os heróis do maior drama da humanidade, o drama da fome.

E foi assim que, pelas histórias dos homens e pelo roteiro do rio, fiquei sabendo que a fome não era um produto exclusivo dos mangues. Que os mangues apenas atraíram os homens famintos do Nordeste: os da zona da seca e os da zona da cana. Todos atraídos por esta terra de promissão, vindo se aninhar naquele ninho de lama, construído pelos dois e onde brota o maravilhoso ciclo do caranguejo. E quando cresci e saí pelo mundo afora, vendo outras paisagens, me apercebi com nova surpresa que o que eu pensava ser um fenômeno local, era um drama universal. Que a paisagem humana dos mangues se reproduzia no mundo inteiro. Que aqueles personagens da lama do Recife eram idênticos aos personagens de inúmeras outras áreas do mundo assolados pela fome. Que aquela lama humana no Recife, que eu conhecera na infância, continua sujando até hoje toda a paisagem de nosso planeta como negros borrões de miséria: as negras manchas demográficas da geografia da fome.

Josué de Castro

Para mim, arte é construção. Eu não sei latim nem grego, não sei de onde vem a palavra arte, mas você veja que a palavra arte está muito ligada à palavra artesão. E a palavra artesão está ligada à palavra trabalho. Eu não vejo uma fronteira nítida entre a arte e o artesanato. Para mim, um poeta, um escritor, um romancista é um artista como um sujeito que faz sapatos.

Você acha que no mundo alguém imaginou um poema sobre o ato de catar feijão para botar o feijão para cozinhar? Você vê que em geral o sujeito escreve, escreve sobre o Espírito Santo que desceu, escreve sobre o já poético. Eu tenho a impressão de que você deve fazer poesia procurando elevar o não-poético à categoria de poético.

Quando eu era menino, os trabalhadores do engenho de meu pai vinham me chamar: “Vamos à feira, diz que saiu um romance novo”. E à noite era eu quem lia para eles…Essas leituras devem ter influenciado o meu auto, Morte e Vida Severina; o conjunto de minha poesia é mais simples que a poesia popular, sem rimas; minhas estrofes são mais curtas, porque não quero “distrair” o leitor, mas, em se tratando de uma obra que pretende contar o povo e se contar para o povo, eu devia utilizar a forma mais adequada, que é o metro popular do romanceiro, sempre vivo. E a nossa sorte: nós, artistas de tradição ibérica podemos recorrer a essa mistura de popular e erudito, que vem das fontes. Os maiores poetas utilizaram indiferentemente os dois gêneros de metros, veja-se Góngora ou Camões, e isto ainda é mais patente no teatro de Gil Vicente e Lope de Rueda a Lope de Vega e Calderón… Esta tradição que tem sempre extraordinária vitalidade deve certamente ajudar todos aqueles que querem criar um teatro ao mesmo tempo moderno e popular.

João Cabral de Melo Neto

(Página 07)

Metade da humanidade não come,
e a outra metade não dorme com medo da que não come.

Josué de Castro

(Página 08)

Nós, a Cia. Ensaio Aberto

Inspiração não tenho nunca.
Rendimento é uma questão de trabalho e método.
De sentar todos os dias à mesma hora.
O rendimento dos primeiros dias pode ser menor,
mas depois e torna regular.

João Cabral de Melo Neto

2001, Filhos do Silêncio, de Luiz Fernando Lobo, espetáculo itinerante.
2000, João e Rosa, de João Batista a partir de João do Rio, Centro de Arte Hélio Oiticica
2000, Morte e Vida Severina, de João Cabral de Melo Neto, Castelo de São Jorge, Lisboa
2000, Companheiros, de Luiz Fernando Lobo, Teatro A Barraca, Lisboa, e Teatro Glauce Rocha
1999, Companheiros, de Luiz Fernando Lobo, Teatro Glauce Rocha
1999, Mais Um Ano com Betinho, Ciclo de Palestras e Exposição Fotográfica, Teatro Glauce Rocha
1998, A Mãe, de Bertold Brecht, Teatro Glauce Rocha
1998, Projeto Aos Que Virão…100 Anos de Brecht, Teatro Glauce Rocha
1998, Cabaré Youkali, de Brecht e Weill, Café do Teatro dos Quatro
1997, O Interrogatório, de Peter Weiss, Teatro da Aliança Francesa de Botafogo
1997, A Mãe, de Bertold Brecht, Teatro da Aliança Francesa de Botafogo e Itinerância
1996, A Mãe, de Bertold Brecht, Teatro da Aliança Francesa
1996, Bósnia, Bósnia, de Ad de Bont, Teatro Rosinha Mas trângelo, Santos
1996, O Noviço, de Martins Penna, Teatro da Aliança Francesa e Teatro do Sesi
1995, Bósnia, Bósnia, de Ad de Bont, Teatro da Aliança Francesa
1995, Cabaré Youkali, de Brecht e Weill, Teatro da Aliança Francesa
1994, O Cemitério dos Vivos, de João Batista a partir de Lima Barreto, Teatro Carlos Gomes
1993, A Missão, de Heiner Müller, Paço Imperial
1993, Pierrô Saiu à Francesa, de Luiz Carlos Saroldi, Teatro Nelson Rodrigues
1993, O Cemitério dos Vivos, de João Batista a partir de Lima Barreto, Palácio da Praia Vermelha.

Contato: 21 2268-9277
www.ensaioaberto.com

(Verso da Última Capa)

Tecendo a Manhã

Um galo sozinho não tece uma manhã:
ele precisará sempre de outros galos.

De um que apanhe esse grito que ele
e o lance a outro; de um outro galo
que apanhe o grito de um galo antes
e o lance a outro; e de outros galos
que com muitos outros galos se cruzem
os fios de sol de seus gritos de galo,
para que a manhã, desde uma teia tênue,
se vá tecendo, entre todos os galos.

E se encorpando em tela, entre todos,
se erguendo tenda, onde entrem todos,
se entretendendo para todos, no toldo
(a manhã) que plana livre de armação.

A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
que, tecido, se eleva por si: luz balão.

João Cabral de Melo Neto

Apoio

(Logos) Dressa, Carlton Rio Atlântica, Ceris, StudioUP, Ação

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(Logos) FUNARJ, Estado de Cultura, Governo do Estado RJ

Governo do Estado do Rio de Janeiro
Governador: Anthony Garotinho
Secretária de Cultura do Estado do Rio de Janeiro: Helena Severo
Subsecretária do Estado do Rio de Janeiro: Graça Salgado
Assessoria de Artes Cênicas: Dudu Sandroni
Presidência da FUNARJ: Bete Mendes
Vice-Presidência da FUNARJ: Oduvaldo Braga

(Última Capa)

(Logo) Cia. Ensaio Aberto