Crítica publicada no Jornal do Brasil – Caderno B
Por Lucia Cerrone – Rio de Janeiro – 10.10.1992

 

Barra

Corpo-a corpo em musical malicioso

Se por obra da ciência descongelassem papai Walter Disney, e este chegasse ao Teatro da Praia para assistir a versão de Marcelo Saback sobre a paixão da mocinha recatada pelo playboy do asfalto, o caso seria um duplo susto, tanto no palco como na plateia. Do comportado clássico que tanto sucesso fez nas telas dos cinemas, pouco restou, e o que se vê em cena é um alegre musical cheio de malícia, em que os protagonistas não mais sublimam seus desejos comendo uma macarronada ao som da orquestra de garçons, mas literalmente vão à luta por suas vontades, em que o corpo-a-corpo é inevitável.

A Dama e o Vagabundo, com direção de Marcelo Saback, traz ao palco a história de um amor impossível entre ricos e pobres. A chiquérrima cadelinha Cookie se apaixona pelo vira-latas Biscoito, e, como sempre acontece nestes casos a interferência dos amigos se faz presente para ajudar e atrapalhar na mesma intensidade. O texto de Saback, a princípio um tanto prolixo, recebeu do autor uma direção ágil, mesmo com excessiva troca de cenários. O grande trunfo da encenação, no entanto, está na direção de atores. O elenco afiadíssimo entra em cena, canta, dança e representa com força total neste dog west side story pra ninguém botar defeito.

Adriana Esteves, embora carente de um potencial vocal de alcance, supera esta dificuldade com sua bonita presença cênica cheia de toques da preparação corporal de Mariane Ebert – a Sereazinha do Falabella. Marcos Breda faz um esperto Vagabundo, cheio de ginga, sem perder o romantismo necessário ao personagem. Um excelente contraponto ao hilariante Purguento, de Anderson Muller. Também muito interessante é a dupla-chique Poodle e Pointer – Vera Motta e Stella Rodrigues – com suas irrefreáveis frescuras. Ficando as revelações com os vilões Lorde Cocker, Edson Fieschi e Francisco Nery, este último numa interpretação que tira o melhor do humor com um incrível time de comédia. Num toque final, Cláudia Lira, uma especialista em “estranhas damas”, mescla a sensualidade exacerbada da Lulu da Pomerânia com um certo escracho exigido pelo personagem, se transformando numa bad girl irresistível.

Com figurinos muito criativos de Ney Madeira, que supera a grande dificuldade de caracterizar bichinhos em cenas e músicas sempre adequadas de Sarah Benchimol, A Dama e o Vagabundo, mesmo com o tradicional final feliz, deixa muito claro no anticlímax que realmente “o amor é um osso duro de roer”.

Cotação: 2 estrelas (Bom)