Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 07.02.2014

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Dois importantes espetáculos infantis reestreiam neste fim de semana em SP

Alexandre Roit, de O Senhor das Chaves, e Andréa Bassitt, de Operilda na Orquestra Amazônica, falam sobre a reestreia de seus espetáculos em São Paulo

Ambos são finalistas do Prêmio Femsa de Teatro Infantil e Jovem. Alexandre Roit, como melhor ator, por O Senhor das Chaves, e Andréa Bassitt, como melhor atriz, por Operilda na Orquestra Amazônica. Os dois espetáculos estão de volta à cena paulistana para mais temporadas. Vale muito a pena ver ou rever. São dois grandes sucessos do ano passado em São Paulo.

Em O Senhor das Chaves, Roit interpreta um velho pescador, que surge da plateia e vacila em ocupar o palco, terminando por se render à sua vocação de proseador e nos inundando com três lindas histórias ligadas ao mar. Adultos e crianças da plateia, cada qual à sua vez, auxiliam o ator na condução da narrativa. Com direção de Pedro Pires, é teatro interativo feito com inteligência e agilidade.

Em Operilda na Orquestra Amazônica, Andréa Bassitt, na pele de uma divertida bruxinha, ‘passeia’ à vontade pelo repertório brasileiro de música erudita, homenageando nomes como Carlos Gomes, Chiquinha Gonzaga, Villa-Lobos, Camargo Guarnieri e Tom Jobim, entre tantos outros. Com direção geral de Regina Galdino e direção musical de Miguel Briamonte, o espetáculo faz a linha didática, mas sem ser chato nem professoral. Ao contrário, é poético, sensível e fluente.

Aproveitando as duas reestreias, fiz as mesmas duas perguntas para esses dois grandes artistas, Alexandre Roit e Andréa Bassitt. Leia as respostas deles. Vale a pena.

Crescer: Escolha uma história bem legal, ocorrida na plateia durante as temporadas anteriores de sua peça, e nos conte resumidamente.

Alexandre Roit (O Senhor das Chaves): Eu tenho algumas dúzias de histórias já, mas acho que uma das mais significativas aconteceu logo numa das primeiras apresentações. Acho também que o fato de ser o começo da temporada, me obrigava a redobrar a atenção, resultando em mais sensibilidade para qualquer eventualidade. Pois bem: na primeira chamada à participação, durante uma das apresentações no Cacilda Becker, eu procurei, seguindo o ‘Estatuto do Teatro Interativo’, algum menino com quem eu me conectasse minimamente através do olhar, para que ele se sentisse seguro a fim de ser o primeiro pescador. Acontece que, antes que eu pudesse fazer qualquer coisa, uma menina, de uns prováveis 5 ou 6 anos, já estava em pé ao meu lado, dizendo que queria participar. Por instinto, eu quase disse a ela que não poderia, porque a personagem era a de um pescador homem. Mas antes de falar o que me parecia óbvio, eu inverti o raciocínio. Expliquei a ela então que a personagem era de um pescador homem, sim, mas que se ela não se importasse em fazer o papel, eu mesmo adoraria contracenar com ela. Uma chance pra adivinhar a resposta da pequenina. A cena transcorreu lindamente e, ao final, ela voltou para a plateia. Para quem ainda não viu a peça, ao final de cada uma das cenas, o pescador que eu faço conclui a história sempre da mesma maneira: numa solidão extrema. Eis que nesse momento a ‘pequena pescador’ volta ao palco sem cerimônia. “- Sua cena já terminou. Você pode voltar pro seu lugar”, disse eu com o máximo de delicadeza para não ser grosseiro. “- Eu sei, mas não quero que você fique sozinho”, ela me respondeu, assim de pronto. Eu só pude abraçá-la muito forte, agradecer, e tranquilizá-la sobre o assunto, dizendo que eu me sentia muito bem acompanhado na verdade. Aquele espetáculo poderia ter terminado ali.

Andréa Bassitt (Operilda): Tem uma parte da peça em que a Operilda conta que, quando os escravos foram trazidos para o Brasil, houve uma mistura dos ritmos musicais europeu e africano. Para ilustrar isso, ela faz uma comparação com as cores das diferentes raças e pergunta à plateia: “da mistura da raça branca com a raça negra, nasceram os…?” e um menino gritou: CINZA! Outra engraçada: Quando vou falar de Carlos Gomes, coloco um bigode grandão e digo pra plateia: “Quem compôs a ópera O Guarani foi aquele maestro brasileiro muitíssimo importantíssimo! Aquele… Sabem qual é? Um bigodudo?!” E um garoto, na primeira fila, diz bem forte: “Pedro Álvares Cabral!” As crianças caíram na risada. E a gente também.

Crescer: Que sentimento prevalece dentro de você quando está no palco contando suas histórias? Por quê? Discorra.

Alexandre Roit (O Senhor das Chaves): Vale resposta desabafo? Ao contrário do que pregam as histórias, eu não me sinto sozinho. E escrever sobre o que sinto de verdade durante uma apresentação talvez seja decepcionante. Não tenho espaço para o ‘sentir’. Sentir seria envolver-me pessoalmente e, se isso acontecer, posso perder o controle da situação, e tudo vai por água abaixo. Penso a cena como uma partitura musical, que foi composta depois de muitas idas e vindas. Ou seja, se ela está ali, é porque é consistente, e vou confiar nela até o fim: se eu respeitá-la e surgirem inconsistências, elas devem ser combatidas. Como maestro desse concerto, é meu dever respeitar o metrônomo, as pausas, as mínimas, colcheias e semínimas, sem deixar de dar espaços para síncopes e improvisos. Mas aí entra a loucura: isso tudo tem que ser adequado ao momento em que se realiza a apresentação, ou seja, dia-noite-calor-frio-fome-idades-instrução-idioma-contexto-sócio-econômico são variáveis que me afetam, afetam o ‘Encontro’, e, diante dessa grandeza, eu não me vejo com tempo e espaço para dar atenção ao que sinto. Sou apenas uma ferramenta, por mais clichê que isso possa soar. Esse assunto dá muita cerveja, e trato de defender um teatro acima de tudo técnico, mas do qual a técnica não deve ser notada. É impossível lograr isso 100% do tempo que estou em cena, mas é um objetivo arduamente perseguido. Isso pra dizer que, se alguém tem o direito de sentir alguma coisa, esse alguém é o público. O meu gozo será reflexo do gozo alheio. Desabafei…

Andréa Bassitt (Operilda): Sinto muita alegria, felicidade mesmo. Primeiro porque sempre que começo o espetáculo, me lembro que esse projeto era um sonho de muitos anos que está sendo realizado. Depois, e mais importante, porque somos contagiados, eu e os músicos, pelo espírito livre das crianças, que embarcam totalmente na história. Durante uma hora nossa imaginação voa com a delas; nós também acreditamos que tudo é verdade. Acreditamos que a clarineta é a voz do livro mágico, que a flauta é o canto do Uirapuru e que nossos poucos músicos formam uma orquestra completa. Além disso, nos divertimos muito e apresentamos para as crianças um tema tão importante: a música! Brasileira! E erudita! É muita alegria! Sinto que o que digo é importante, mas também é divertido.

Serviços

O Senhor das Chaves

Teatro MuBE Nova Cultural
Rua Alemanha, 221- Jd. Europa. São Paulo/SP
Tel. (11) 4301-7521
Apenas quatro apresentações: de 8 de fevereiro a 1° de março
Aos sábados, sempre às 18h
R$ 30,00 e R$ 15,00 (meia)

Operilda na Orquestra Amazônica

Teatro Eva Herz – Livraria Cultura do Conjunto Nacional
Av. Paulista, 2.073 – Bela Vista – São Paulo/SP
Tel. (11) 3170-4059
Sábados e domingos, às 15h. R$ 20,00 e R$ 10,00 (meia)
Até 30 de março