David Tayu, diretor e figurinista

Matéria publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo 12.09.2014

 

 

 

 

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O encanto dos bonecos da antiga Bessarábia

O diretor David Taiyu fala da delicada peça que montou com o premiado grupo As Graças

Desde o início de agosto e só por mais dois fins de semana, a garagem do casarão anexo ao SESC Ipiranga está abrigando – apenas aos domingos ao meio-dia – um espetáculo de bonecos chamado Bessarábia – Uma Feira de Histórias, com o premiado grupo As Graças. Vale muito a pena prestigiar. É muito bom. A delicadeza dá o tom na história de três velhas senhoras tentando lembrar de seu passado e contando histórias encantadoras de reis e princesas. Impossível não se emocionar. Adultos e crianças usufruem do espetáculo com muito envolvimento.

Andando por uma feira de antiguidades, no final dos anos 1990, Juliana Gontigo, uma das atrizes e a responsável pela dramaturgia da peça (escrita em conjunto com o grupo), encontrou (e comprou) 17 bonecos do século 19, que vieram da Bessarábia, um país que não existe mais – hoje  é a República da Moldávia, país sem costa marítima da Europa Oriental. O espetáculo foi todo criado a partir dessas marionetes restauradas, como nos conta na entrevista abaixo o diretor e figurinista David Taiyu. Ao lado de Juliana Gontigo, completam o elenco Eliana Bolanho e Sylvie Layla. As três dão um show de interpretação e manipulação dos bonecos. “Queríamos falar do que ficou, do que passou, do que se perdeu, do que não existe mais e ainda assim tem muito valor, do que ficou guardado no corpo e do que só existe no coração”, diz o diretor.

Crescer: No espetáculo, a integração entre bonecos-marionetes e as três atrizes manipuladoras é harmoniosa. Como você orientou as atrizes para que isso se desse de forma tão encantadora?

David Taiyu: Quando a Juliana Gontijo me mostrou os bonecos e me contou como foi seu encontro com eles, quando me falou que vieram de um país que não existia mais, quando vi que suas roupinhas estavam carcomidas pelo tempo, logo me prontifiqueia ajudar no que fosse preciso, pois eu havia ajudado, há algum tempo, na restauração de um presépio do século XIII, no Museu de Arte Sacra.Tempos se passaram e a Juliana me liga perguntando se eu não aceitaria dirigi-las no espetáculo daqueles bonecos que tinham me tocado tanto. Eu sabia desde esse momento que não seria um simples espetáculo de bonecos: ali tinha um universo querendo retornar à vida e, com certeza, sua história, sua memória teria de ser o mote, teria de ser a inspiração.Nessa época minha mãe começava um processo com o mal de Alzheimer. A Juliana já tinha escrito as estórias infantis e visto que eram muito parecidas em vários lugares do mundo.Queríamos falar disso, do que ficou, do que passou, do que se perdeu, do que não existe mais e ainda assim tem muito valor, do que ficou guardado no corpo e do que só existe no coração. Começamos então uma pesquisa para descobrirmos como mergulharíamos nesse mundo, o da memória.O grupo “As Graças” têm uma longa trajetória de espetáculos muito delicados, muito tocantes, foi muito fácil iniciar essa viagem! O que eu sempre repetia quando notava que alguma delas queria deixar muito explicadinho alguma coisa era: pense que isso será extremamente fácil para a criança compreender, pois a criança entende as sensações, os sentimentos. E foram trazendo suas histórias, fui levando minhas histórias com minha mãe e juntamos as histórias que foram pesquisadas, entrevistas com senhoras russas e de dona Sara que veio de lá da Bessarábia.

Crescer: O espetáculo fala de memórias esquecidas, um tema que fisga de imediato os adultos. Mas e as crianças? O que você privilegiou, em sua direção, para acertar em cheio também no gosto e no interesse das crianças, mesmo fazendo uma peça sobre três velhas senhoras?

David Taiyu: Sabemos que em muitas culturas o velho, o idoso é tido como símbolo de sabedoria, de respeito, de reverência. Na nossa, é visto como estorvo, um problema, uma “dor de cabeça”! Penso que uma das funções do artista é servir de farol, colocar luz onde tem muita escuridão, e nada melhor do que começar pela infância, as crianças ainda não estão contaminadas por tantos conceitos equivocados, preconceitos, medos e culpas e precisaríamos ter muita delicadeza para falarmos de coisas tão profundas de forma sutil sem ficarmos na superficialidade. Um olhar humorado, leve e carinhoso foi nossa bússola.

Crescer: Minha visão é de que se trata de uma peça delicada e bastante feminina. Você concorda que as mulheres e as meninas se identificam mais? Foi intencional ?

David Taiyu: Realmente, o olhar é feminino, e é intencional, o elenco é feminino, a sensibilidade é feminina, a criatividade é feminina, e nós homens temos muito que aprender com isso, e foi isso que fiz:  tentei aprender o máximo que pude. Por onde essa sensibilidade apontava era por aí que eu ia.  As três velhinhas representam para mim as avós, as mães de todos e a própria memória. As meninas, que não são bobas, logo se identificam. Colocamos três capetinhas com trejeitos de manos para dar uma canja para os meninos, o que tem feito muito sucesso.

Crescer: Qual parte do enredo mais o encantou e mais o emociona como diretor ?

David Taiyu: Um momento do espetáculo que sempre emociona é quando as três questionam o público de onde veem as histórias, onde estão, onde elas são guardadas e as crianças rapidamente tentam ajudar nas respostas, deixando claro que esse tema não é de posse dos adultos.

Crescer: Além da direção, você assina os figurinos – e fez com que as atrizes se vestissem com os mesmos trajes em miniatura dos bonecos, num trabalho sensível baseado em renda, crochê, bordados, apliques. Conte um pouco sobre sua pesquisa e execução dos figurinos.

David Taiyu: A costureira do espetáculo é a dona Cleide (Cleide Mezzacapa Hissa), uma senhora de 75 anos, um dedo apontado para a inspiração, amiga há bastante tempo. Sempre que a encontrava lhe enchia de perguntas: como eram os tecidos da sua época? E as cores, o que se usava? Quando a senhora começou a costurar como eram os pontos que a senhora fazia? Um dia eu chego ao seu ateliê e ela me dá um pacote de tecidos, dizendo: “Estes são os tecidos do seu espetáculo, um presente, que ajudem as crianças a ficarem encantadas com o trabalho de vocês!” Quanto às crianças, nós teríamos de esperar para ver a reação. Já a minha reação era evidente: fiquei extasiado com tanto carinho! O Flavio Pires trabalhou o cenário sob o olhar do que foi jogado fora, falsos lixos com muita utilidade. Eu, como figurinista, acompanhei esse seu trabalho de cenografia e, inspirado por ele, quis dar o contraponto: o lixo, as caixas de madeira, a feira representavam o Agora, o Presente. Já as roupas poderiam trazer a possibilidade um passado feliz, glamoroso ou simplesmente de um passado que consegue vencer as memórias esquecidas. O que usavam? Como eram suas vilas? Eram casadas? Tinham filhos? O que comiam? O que pensavam? Do que gostavam?  Senti que envelhecer os tecidos não era o melhor caminho para ajudar as crianças a viajarem conosco, o melhor seria o detalhe, algumas pérolas no colarinho, bordados com pequenas medalhas nas roupas, aventais que se transformam em fundo cênico para os bonecos, ilustrariam muito bem esse universo .Fizemos uma sessão só para idosos e foi emocionante!  Velhos, adultos, jovens, o que importa é que somos todos crianças.

Serviço

SESC Ipiranga
Rua Bom Pastor 709, garagem
Tel. 11 3340-2000. Só aos domingos, ao meio-dia. Ingressos gratuitos
Até 28.09