Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 02.12.2016
Quando crescer significa largar amigos pelo meio do caminho
Com Henriques, a Cia. Vagalum Tum Tum adapta mais um Shakespeare com vitalidade de circo e tema pungente
O ano quase acabando, espetáculos encerrando suas temporadas, teatros já se programando para o semestre vindouro… e eis que a Cia. Vagalum Tum Tum chega de mansinho, aos 44 minutos do segundo tempo, e arrebata o setor com mais uma de suas primorosas adaptações da obra de William Shakespeare. De cara, assim de saída, o espetáculo novo, chamado Henriques, já abocanhou esta semana um dos prêmios APCA 2016 (Associação Paulista dos Críticos de Artes): o de melhor texto adaptado. É só o começo. Uma linda carreira vem por aí.
Ângelo Brandini, o diretor e autor da adaptação, já ‘brincou’ com Otelo, Rei Lear, Hamlet e Macbeth – e sempre teve reconhecimento de público e crítica. Agora, ele surge com sua visão de Henrique V, drama histórico, com pitadas também das partes I e II de Henrique IV.
O que importa dizer aqui é o quanto é refinado e certeiro o talento de Brandini para enxergar nos textos do bardo um potencial a ser explorado no reino dos clowns, da palhaçaria, da linguagem de circo. O teatro como arte popular, bem ao gosto de Shakespeare. Como ele gostava que fosse. Risos, trapalhadas, quiproquós, aventuras, desafios, batalhas – está tudo em cena, graças também ao primoroso elenco da Cia. Vagalum Tum Tum.
A essência de Henrique V, na visão de Brandini, está na transformação radical do personagem principal, que terá de passar de príncipe fanfarrão inconsequente a rei responsável e corajoso. Para tanto, ficam perdidas pelo meio do caminho as amizades da juventude. Quer tema mais apropriado do que esse para fisgar o interesse dos jovens? A inteligência da adaptação foi centrar forças nesses assuntos que são muito caros a todos nós em nossos ritos de passagem da adolescência para a vida adulta: perder amigos, desfazer amizades, fazer escolhas, ou seja, tudo isso que faz parte do que se chama de ‘crescer’.
O príncipe Henrique (Christiane Galvan) não titubeia: para virar ‘gente grande’ e sair da adolescência festiva e bagunceira, abandona seus dois maiores amigos de farra e badernas, Falstaff (Val Pires) e Pistola (Thiago Andreucetti). Na primeira parte da peça, os três aprontam todas, com muita cumplicidade e união. Na segunda parte, os dois palhaços se frustram muito pela mudança de personalidade do amigo príncipe, agora rei.
É um assunto sério, de tema pungente. Amizade é coisa preciosa. Mas o grupo faz um espetáculo hilariante, pleno de vigor, gags circenses, números de picadeiro – sem perder, com tanto humor e vitalidade em cena, o tom comovido e compungido da trama – afinal, trata-se de perder para ganhar, abandonar o passado em nome de um futuro melhor, trair amigos em função de uma missão nobre. Os preços que se pagam na vida. Impossível não se emocionar.
Completam o elenco: Ivy Donato, Rodrigo Freitas, Wesley Salatiel e a stand in Michelle Gallindo. Bira Nogueira capricha no colorido de cenários e adereços. Christiane Galvan mais uma vez acerta nos figurinos de época. Vivien Buckup, na direção de movimentos, é auxílio luxuoso. Mas o grande destaque da ficha técnica, a meu ver, é a força e o brilho da trilha original criada por Fernando Escrich, o diretor musical do espetáculo. Você não vai acreditar na graça das canções, na competência das letras, no poder dos arranjos em perfeita consonância com as propostas da ágil direção. Escrich supera-se a cada novo trabalho, assim como Brandini. Henriques, da Vagalum Tum Tum, veio para ficar. No panteão dos grandes espetáculos. Para todas as idades.
Serviço
Sesc Belenzinho
Rua Padre Adelino, nº 1.000 – Belenzinho, São Paulo
Telefone: 11 2076-9700
Sábados e domingos, às 12h (meio-dia)
Duração: 60 minutos
Classificação: Livre
Ingressos: R$ 20,00 (inteira). R$ 10,00 (meia)
Temporada: Até 8 de janeiro de 2017 (Não haverá sessões nos dias 24, 25, 30 e 31 de dezembro)