Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 31.07.2015
Cia. da Tribo brinca de ventania e estimula nossos sentidos
Pé de Vento, agora no Sesc Ipiranga, é teatro feito da mais pura poesia sensorial
Há tempos que conheço da Cia. da Tribo, do casal Wanderley Piras e Milene Perez. Eles estão na estrada desde 1996 e eu sempre os associei, pelos espetáculos que vi, a um grupo com linguagem cênica voltada para a cultura popular, com suas lendas e personagens genuinamente brasileiros e resgatados das mais variadas regiões do País. Agora, com Pé de Vento, uma experiência muito sensorial e poética, conheci esse outro lado da companhia, mais interessada na essência do jogo teatral, com suas improvisações e seus convites à interação. Fiquei igualmente encantado.
O espetáculo acaba de encerrar uma feliz temporada no saguão do Sesc Pinheiros – e agora faz mais dois fins de semana em outra unidade do Sesc, o Ipiranga. Torço para que rodem por muitas outras unidades, pois se trata de uma atração com potencial para ganhar cadeira fixa na grade variada de programação do Sesc. Em qualquer época em que for encenada, a peça ‘Pé de Vento’ será bem recebida e cativará todo tipo de público.
Na chegada, somos convidados a tirar os sapatos e entrar em um tubo de plástico até sentarmos no chão de uma estrutura colorida inflável, onde venta muito agradavelmente. Ali, já nos esperam os atores, com os rostos cobertos, fazendo sons que remetem ao vento. Só depois de cinco ou dez minutos de espetáculo, é que eles começam a mostrar os rostos e o corpo para a plateia. Tudo é muito bem sacado, muito bem pensado, para que o público viva diferentes sensações, relacionadas a tato, olfato, audição e, sobretudo, contemplação.
O texto também custa a chegar, como se os atores primeiro preparassem as pessoas para a viagem sensorial proposta. Mas quando chega, é de uma poesia que inunda os olhos dos adultos de água, porque falam de afetos, de memórias, das coisas simples da vida. Concebido por Milene Perez, que assina a direção ao lado de Piras, ‘Pé de Vento’ passeia pelo universo poético de Manoel de Barros, mas não só. Há inspirações de toda espécie, incluindo as memórias de infância do elenco e as artes visuais e performáticas de nomes como Lygia Clark, Lygia Pape e Hélio Oiticica. Isso tudo faz do espetáculo uma fonte rica para ser explorada, depois, em sala de aula. As escolas deveriam ficar de olho e levar seus alunos, agora que o ano letivo será retomado.
A ideia básica e fundamental, conduzindo tudo, é dar visibilidade às infâncias, com suas falas, expressões, sentimentos, gestos, gostos. No elenco, além de Piras e Perez, brilham também Gustavo Saulle e Jonatã Puente. O quarteto esmera-se na expressão corporal, nas máscaras faciais que sugerem sentimentos de todo tipo, na delicadeza com que envolvem as crianças em suas brincadeiras cênicas, no jeito como cantam e fazem todos cantar (sugerindo acalantos a nos embalar), no acertado tom de voz aconchegante com que narram o que tem de ser narrado, enfim, é um feliz encontro feito para deixar aflorar em cada um suas memórias particulares, suas saudades mais secretas.
E é notável o capricho da produção, que faz tudo funcionar a contento, incluindo alguns efeitos para lembrar tempestades, uma profusão de panos que ‘falam’ e até o detalhe inteligente de incluir no belo folheto-programa fotos (de Arô Ribeiro) em que os atores aparecem com cabelos esvoaçantes, para, com isso, coerentemente remeter ao tema da peça: o vento. Ah, e prepare-se para a surpresa: no fim da peça, ao resgatar seus sapatos, você vai encontrar dentro deles uma pedaço de poema de Manoel de Barros. Qual será o seu poema? No meu par de tênis, encontrei o seguinte verso: “As coisas que não têm nome são mais pronunciadas por crianças.” Dá para resistir a esse ‘Pé de Vento’? Não dá. Vá correndo.
Serviço
Sesc Ipiranga
Rua Bom Pastor, 822, Ipiranga
Tel. 11 3340-2000
Sábado (01) e sábado (08), sempre em duas sessões: 14h30 e 16h
Grátis. Só cabem 35 pessoas por sessão