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O Sítio do Picapau Amarelo de Monteiro Lobato. Adaptação de Fernando Jacques, direção de Sadí Cabral, com: Shirley Brasil (Narizinho), Graziela Ramalho (Tia Nastácia), Cora Costa (Dona Benta), Lília Magna (Emília), Katucha Delgado (Princesa), Gerdal dos Santos (Príncipe), Aquilino Barreiros, (D. Quixote), Pedro Veiga (Capitão Gancho), Miguel Rosemberg (Visconde de Sabugosa), Newton da Matta (Pedrinho). Realização do Teatro da Carochinha, no Teatro Ginástico, 1948.

O Casaco Encantado, Teatro Ginástico, 1948

Lucia Benedetti

O teatro para crianças, tal como o conhecemos hoje, isto é, um teatro feito por adultos, na sua maioria, visando um público infantil, é bastante recente. Há apenas dois anos eram comemorados os cinqüenta anos da estreia do espetáculo O Casaco Encantado, texto de Lúcia Benedetti, considerando esta data como marco do início do teatro infantil no Brasil. Mas é claro que este gênero de teatro não teve início apenas em meados do século XX. Podemos considerar muitas manifestações anteriores como suas parentes, algumas mais próximas, outras mais distantes.

Podemos começar a revisitar estas manifestações através de uma pergunta a respeito do exemplo definidor do gênero: o que havia de tão especial na peça de Lúcia Benedetti?

Aparentemente pela primeira vez, uma companhia formada por atores, diretor, autor e produtor profissionais, se reunia para realizar um espetáculo teatral voltado para o público infantil. E o fizeram seguindo o exemplo de uma companhia profissional vinda da Áustria, que apresentava em seu repertório um espetáculo para crianças.

Mas o que existia até então?

Ainda no século XVI, o teatro religioso didático, moralizador e de catequese do padre jesuíta Anchieta, contava não só com atores, mas com público infantis bastante vasto e de fundamental importância. No entanto, esta participação ativa de crianças nos seus autos religiosos se devia, em grande parte, à sutil compreensão do jesuíta do impacto que tais presenças e participações infantis teriam na formação e conversão religiosa e moral dos nossos índios.

Em meados do século XVII e XVIII, havia os teatros de marionetes e fantoches que se apresentavam ao ar livre, portanto eram assistidos por crianças também. No entanto, podemos dizer que apesar do estreito laço que este gênero sempre manteve com o teatro infantil, seus temas e formas de representação estavam mais próximos do público adulto do que do infantil.

Logo depois, em fins do século XVIII e início do XIX, o que se via com frequência no Brasil eram crianças representando para adultos, isto é, companhias infantis formadas por jovens estrelas de 9 a 14 anos que brilhavam nos palcos, cantando, dançando e representando. Tinham fãs que se reuniam em clubes para homenageá-las. Também contavam com um público infantil, mas essa não era propriamente uma questão, pois representavam peças do repertório clássico de teatro.

No século XIX, o teatro infantil, ou um gênero bastante próximo, surgirá com o Teatro Escolar, que se constituía de monólogos escritos por autores famosos da época para serem representados em datas comemorativas nas casas ou escolas. Estes monólogos tinham um cunho moralizador e deveriam ser recitados por crianças.

Peter Pan, adaptação de Tatiana Belinky, direção de Júlio Gouveia. Com Eny Autran, Clóvis Garcia, Alberto Guzik, Wilma Camargo, Ricardo Gouveia, Sérgio Rosemberg, Haydée Bittencourt, Jacyr Pasternak e Benjamim Belinky, 1948

Júlio Gouveia, anos 50

Tatiana Belinky, anos 50

Como podemos concluir, através deste breve histórico das manifestações teatrais que apresentavam algum parentesco com o teatro infantil como o conhecemos hoje, até a estreia de O Casaco Encantado não existia uma preocupação em se desenvolver uma dramaturgia especialmente voltada para as crianças. O Casaco Encantado fora escrito, dirigido e representado por adultos, mas sua temática, estrutura dramática, linguagem e, provavelmente, um certo estilo de representação, foram pensados para o público infantil. Eis a grande inovação.

Até 1948, crianças assistiam aos espetáculos teatrais, crianças representavam, mas nunca se pensara numa dramaturgia para crianças, numa linguagem específica do universo infantil.

Logo depois da estreia de 1948, foram fundadas companhias de teatro infantil formadas por atores, diretores, autores e produtores profissionais. No Rio de Janeiro, Pernambuco de Oliveira e Pedro Veiga fundam o Teatro da Carochinha e, no mesmo ano, Tatiana Belinky e Júlio Gouveia fundam O Teatro Escola de São Paulo (TESP), e estréiam com Peter Pan a série de espetáculos teatrais para crianças baseados em contos clássicos.

Em 1951, Maria Clara Machado funda o Teatro Tablado e o teatro infantil dá a grande largada da sua curta mas produtiva trajetória. Seu primeiro espetáculo para crianças, O Boi e o Burro a Caminho de Belém (53), um auto de natal originalmente escrito para o teatro de bonecos, foi só o começo da carreira de grandes sucessos da autora. Podemos considerar clássicos da dramaturgia infantil obras como Pluft, o Fantasminha, O Rapto das Cebolinhas, Tribobó City, A Bruxinha que era Boa, dentre muitas outras.

Ilo Krugli em Histórias de Lenços e Ventos, anos 70.

Maria Clara Machado

Nos anos 70, em meio a ditadura militar, Ilo Krugli apresenta seu teatro para crianças com a peça Histórias de Lenços e Ventos, considerada um divisor de águas pelos especialistas do gênero. Ainda nos anos 70, surgem Lúcia Coelho com seu Teatro Navegando, o Grupo Hombu de Sílvia Aderne e Beto Coimbra, e o Teatro Quintal de Bia Bedran.

A partir dos anos 80, o que se vê é uma grande variedade de estilos, dramaturgias e linguagens que continuam se diversificando com o passar dos anos. O teatro infantil, apesar de aparentemente definido enquanto estrutura, temática e manifestação artística desde o ano de 1948, continua a passar por profundas transformações, graças à inquietação dos profissionais competentes que a ele se dedicam.

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Isa Vianna
Atriz, tradudora e produtora