Crítica publicada na Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 04.11.2016
Assim é o poético espetáculo ao ar livre Fósforos, Nuvens e Passarinhos, do grupo Teatro da Travessia, com direção da convidada Simone Grande.
As tardes de domingo não têm sido as mesmas no Parque da Água Branca, em São Paulo, no bairro de Perdizes. Meninos e meninas, vindos das mais variadas partes do mundo, correm por entre as galinhas e os pássaros do parque paulistano, contando ao público suas duras histórias de vida e de sonhos roubados. Eles são os personagens da linda peça itinerante Fósforos, Nuvens e Passarinhos, apresentada ao ar livre – e grátis – pelo grupo Teatro da Travessia, que está comemorando, com esse espetáculo de criação coletiva, seus 10 anos de trajetória. Eles se definem como um “coletivo paulistano de teatro de pesquisa, fundado em 2006 pelos atores Francisco Wagner, Lígia Borges, Roberta Stein e Paulo Arcuri”.
Com esse projeto, o grupo foi contemplado pelo 3.º Prêmio Zé Renato, da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, e convidou para a direção a talentosa Simone Grande, do grupo As Meninas do Conto. Acerto total. A sensibilidade da tarimbada diretora transparece a cada momento. Tudo é muito ‘à flor da pele’, muito tocante. O elenco do Teatro da Travessia está sensacional. Não é fácil dominar o público ao ar livre. Eles todos têm jogo de cintura, versatilidade, talento para improvisar e respeito pela proposta cênica ritualística. Interpretam olhando no olho das crianças no parque – e isso é fundamental ao ar livre, já que motivos para dispersão não faltariam dentro de um lugar aberto. Fiquei fascinado pela segurança e envolvimento de todo o elenco: Bruno Cordeiro, Fernanda Stein, Francisco Wagner, Heidi Monezzi, Lucélia Machiavelli e Roberta Stein.
A peça começa ali perto, dentro da chamada Casa Tombada, um simpático local de cursos livres e de extensão, em um casarão de Perdizes tombado pelo patrimônio histórico. Depois de alguns minutos é que o público atravessa a rua, com os atores cantando e dançando pelas calçadas, em direção ao parque. Aos domingos, a peça é aberta ao público em geral. Às segundas, há uma apresentação para escolas agendadas.
A primeira coisa linda que você vai notar é o figurino, todo branco, expressivo, criativo. Todos os atores estão vestidos de nuvens. As ‘cabeças’ das nuvens têm formas variadas, resultando em um conjunto vistoso demais de ser ver. Chega a emocionar. (As figurinistas são Heidi Monezzi e Sandra Pestana).
O texto dito pelas nuvens é poético, convidativo, chamativo, como deve ser nesse tipo de teatro de rua. Além das histórias das crianças sofridas do mundo, com seus depoimentos fortes e reais, o grupo encena três outras ‘passagens’: duas baseadas em contos (A Pequena Vendedora de Fósforos, de Andersen; e O Menino das Capas de Chuva, de João Anzanello Carrascoza) e uma sobre a saga do ‘menino-passarinho’, fato real que aconteceu em São Paulo.
Olhem só que lindo o depoimento da diretora Simone Grande, no programa da peça: “Tenho uma imagem de infância que retomei neste processo. Eu costumava me deitar no quintal de minha casa e ficava por muito tempo olhando as nuvens no céu. E me encantava com os desenhos e formas que via, como se fosse uma imensa tela azul pintada pelas nuvens. Uma grande sensação de liberdade me tomava. Era como se o tempo se expandisse e por alguns momentos eu pudesse ser nuvem. E quando decidimos que os narradores do espetáculo seriam nuvens, seres fantásticos que do céu viam tudo e por isso poderiam contar estas histórias de tristezas e alegrias, descobri que quando olhava as nuvens em meu quintal, eu também era vista por elas.” Pois então: não tenho razão? O Teatro da Travessia acertou ou não na escolha dessa diretora?
Serviço:
Casa Tombada
Rua Ministro Godoi, 109, Perdizes, São Paulo
Temporada: Até 14 de novembro
Domingos às 16h. Segundas-feiras às 15h (horário reservado para escolas agendadas)
Ingressos: Grátis
Duração: 80 minutos
Capacidade: 30 lugares
Recomendação etária da produção: partir de 8 anos
Reserva pelo telefone (11) 99555-1386