Matéria publicada no O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 30.01.1982

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Do Macunaíma, só a falta de caráter

Para que o leitor tenha uma ideia de como se comporta o panorama do teatro infantil carioca procurarei fazer uma avaliação entre quantidade e qualidade baseada na realidade apresentada em 1981. Seguramente no ano passado estiveram em cartaz mais de duzentas peças infantis. Quantas dessas duzentas respeitaram a criança como ser humano? Quantas apresentaram trabalhos dignos de apreço pela sua expressividade? E, finalmente, quantas tiveram público?

Como membro do júri do Serviço Nacional de Teatro para a escolha dos cinco melhores espetáculos infantis do ano e para a premiação do Troféu Mambembe pude constatar que, dessas duzentas peças, apenas quinze conseguiram indicar trabalhos para finalistas do Mambembe, e nessas quinze, obviamente, estão aquelas escolhidas como “as cinco melhores do ano”. Coloquemos, exagerando, mais uns dez espetáculos que tiveram indicações para o Mambembe e que não conseguiram votos suficientes para ficarem como finalistas. Temos um total de vinte e cinco espetáculos, com pelo menos um elemento de mais destaque: autor, atriz, diretor, cenógrafo, etc., no meio de duzentas peças apresentadas ao público carioca. O que significa que 175 espetáculos não tiveram nada de importante a apresentar. Convenhamos que a proporção está terrivelmente desigual para o público que paga seu ingresso; e incrivelmente cara para os pais, que dificilmente levam apenas uma criança.

Merecem, portanto, ser citados aqueles espetáculos que permaneceram entre os quinze: Brincando com Fogo, Os Cigarras e Os Formigas, As Três Luas de Junho e Uma de Julho, Ou Isto ou Aquilo e Adivinhe O Que É, esses primeiros escolhidos como os “cinco melhores do ano”; O Anel e a Rosa, considerado o melhor espetáculo infanto-juvenil; O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá; Parabéns pra Você; Vira-Avesso; Te Amo Amazônia; Um Telefonema para o Japão; Bloco da Palhoça em Canto de Trabalho; Aventuras e Desventuras de Felícia, a Bailarina; A Gema do Ovo da Ema; e Sonhe Com os Ratinhos. Infelizmente, o espectador não tem muitos desses espetáculos à disposição, neste princípio de 1982, pois a maioria já saiu de cartaz. Temos apenas Brincando com Fogo, no Circo Voador; O Gato Malhado e a Andorinha Sinhá, no Alaska; Aventuras e Desventuras de Felícia, a Bailarina, Teatro de Bolso Aurimar Rocha; Um Telefonema para o Japão, Teatro do Planetário; Te Amo Amazônia, em cartaz num circuito comunitário dentro de uma promoção do Sindicato dos Artistas, e Ou Isto ou Aquilo, que faz hoje e amanhã seus dois últimos espetáculos, no Teatro Villa-Lobos.

Como a nossa inflação prova, os números não mentem. Muita quantidade e pouca qualidade os males do teatro infantil são, parodiando nosso Macunaíma. Aliás, o nosso teatro infantil está bem para o Macunaíma: na verdade, é um teatro com muito pouco caráter. Só que não tem o charme e a vivacidade do personagem de Mário de Andrade.