Crítica publicada na Tribuna da Imprensa
Por Lena Brasil, Rio de Janeiro, 19.04.1980
Um Simpático Flicts
Flicts, A Cor, de Aderbal Junior e Ziraldo é uma das peças mais encenadas do teatro infantil. Deve haver algo especial na triste figurinha do Flicts que mexe com a sensibilidade de crianças e adultos e que o faz tão amado. Quem sabe a mistura perfeita da fantasia, cor ganhando vida de gente, com a problemática da busca da compreensão, de se fazer notar e disputar um lugar ao sol, hoje e sempre características tão presentes no ser humano, independente da idade.
A peça estreou no Teatro Princesa Isabel no sábado passado, e por falar em Teatro Princesa Isabel, que bom que o Orlando Miranda resolveu abrir seu teatro para crianças. Alô alô empresários fechados ainda e infelizmente para o teatro infantil: criança não destrói nada, é totalmente inofensivo, e só oferece um problema: não costuma apresentar os mesmos números nos borderôs que os do teatro adulto, mas, mesmo assim, enquanto plateia em formação, deve interessar aos senhores. Ao carismático Flicts se junta um novo som criado por Sérgio Ricardo, som esse que “nasce no choro, engatinha na marcha-rancho, cavalga em caatingas violeiras, navega em porões patéticos, procura em valsa e batuque e cai na revolta do samba” segundo o autor. As músicas de Sérgio conseguiram dar a esta versão da cor mineira um tom que ela não teve em outras montagens. Esse tom é exatamente o ritmo que faz com que o espetáculo esteja lá em cima sempre, num pique de alegre musical que se não fosse a angústia da procura do Flicts estaria perfeito. Ora, a história do Flicts é uma sequência de insucessos, de buscas e rejeições: ele não tem lugar na caixa de lápis de cor, no arco-íris não lhe cabe, da bandeira lhe expulsam e, de nada vale a eventual solidariedade de algumas cores. No entanto, o que se vê, são músicas e coreografias que contrastam com a tristeza da pobre cor indesejada, ela própria saindo incólume de algumas dessas pequenas rejeitadas.
A ausência da emoção, ou mesmo a falta de climas, nos parece ser o único pecado do espetáculo dirigido por José Roberto Mendes. Como sempre, os produtores Elvira Rocha e Rodrigo Farias Lima, apresentam uma produção impecável. Sérgio Silveira e Lídia Kosovski, mais uma vez usando materiais brasileiríssimos, retalhos, palha, etc., criaram cenários, figurinos e adereços cujo ponto alto é a criatividade. A luz de Jorginho de Carvalho não ficou pronta para a estreia, o que tem sido uma constante em Jorginho, nos últimos tempos. Coreografia de Deoclides Gouveia, bonita, enfeita o espetáculo, embora interfira algumas vezes, juntamente com as músicas, e em consequência destas, é claro, na emoção do espetáculo.
O Flicts que Maria Gislene criou é de uma simpatia a toda prova. Bom trabalho da atriz que pegou o bonde andando (ela substituiu a Narjara Turetta, proibida pela Globo de fazer o espetáculo, há 10 dias da estreia e conseguiu aprontar o trabalho num tempo mínimo). Presenças marcante no elenco de Lígia Diniz, o amarelo, e Alby Ramos, o branco, Jonhan Faber, o astronauta e outros. Bons trabalhos de Daniela Santi e Cacá Silveira. Elvira Rocha, no palco, poderia tirar mais partido de seu físico e de sua cor, o vermelho. Carla Camuratti, bonita presença em cena, Teresa Mascarenhas e Cláudia Fares completam um elenco homogêneo.
Mas, o que Flicts perdeu em emoção ganhou em comunicação. A alegria do espetáculo estende-se à plateia, mesmo depois do espetáculo. Pedida obrigatória para quem não conhece a história do Flicts.