Crítica publicada no Site da Revista Crescer
Por Dib Carneiro Neto – São Paulo – 22.04.2016
Quando intérpretes em dupla “salvam” seus espetáculos medianos
Duas peças são exemplos disso na atual temporada do teatro infantil paulistano: João e Maria? e O Palhaço e a Bailarina
Há dois espetáculos infantis em cartaz atualmente em São Paulo que não são semelhantes nos temas, no tipo e montante da produção, na proposta dramatúrgica, enfim, são duas peças que seguem seus caminhos de formas distintas. Entretanto, em minha opinião, ambas têm uma forte característica em comum: seus possíveis defeitos, digamos assim, ficam “salvos” graças à forte e carismática atuação de suas duplas de protagonistas. Por isso, decidi falar delas em um texto só, em homenagem a essas duplas. Danielle Barros e Nathalia Neme são o melhor de João e Maria?, no Teatro do MuBe. Por sua vez, Kiara Sasso e Lázaro Menezes fazem valer a pena a ida a O Palhaço e a Bailarina, no Teatro Porto Seguro.
No caso de João e Maria?, a peça dá um salto qualitativo incrível quando surgem os personagens de Danielle Barros (Grillo) e Nathalia Neme (Luzinete). Mas, antes deles, tudo é meio sem graça, burocrático. O início do espetáculo me fez lembrar de uma estética e uma direção das primeiras peças de teatro infantil paulista a que assisti, no fim dos anos 1980 e começo dos 90, em que ainda faltava muita criatividade e se reproduzia em cena uma mesma fórmula de euforia e forçada ingenuidade, só por se tratar do dito “teatro infantil”. Lívia Sales não tem muito carisma como essa sua Bruxa, talvez por não ter achado, juntamente com a direção (assinada por Daniela Mota e Juliano Barone), uma chave diferenciada de interpretação, algum achado que fizesse de sua Bruxa algo personalizado, só dela, e novo.
E também fiquei bastante surpreso ao ler no programa que figurinos e cenários foram assinados por Kleber Montanheiro, um artista dos mais criativos e premiados da atual safra do teatro para crianças. Aqui, ele deixa muito a desejar e arrisco dizer, abelhudamente, perdão, que Montanheiro talvez esteja aceitando convites demais ultimamente. O food truck do cenário, referência pertinente ao atual mundo gastronômico das metrópoles, remete mais a um trenzinho com vagões coloridos, sem nenhum traço de novidade e de vida. Também lembra barraquinhas de feira, com seus toldinhos de antigamente. Chamar de ‘naif’ poderia ser uma saída, mas talvez seja até um elogio que essa cenografia nem mereça. Não faz sentido retratar de forma ‘naif’ um food truck, invenção tão contemporânea. O mesmo ocorre com os figurinos, todos muito sem personalidade. Não há uma peça de roupa sequer que surpreenda, que acrescente informação ao personagem. Bola fora na carreira de Montanheiro.
Mas quando entram Grillo e Luzinete… É como uma salvação. O entrosamento, o carisma, o tempo de comédia, o linguajar, o encanto das duas personagens ingênuas e clownescas – tudo isso é coisa de arrepiar. Eles formam uma espécie de João e Maria do mundo dos cordéis e tentam enganar a Bruxa por um prato de comida. Têm tiradas engraçadíssimas, provocações próprias das duplas de Commedia Dell’Arte, trapalhadas físicas de picadeiro, enfim, acertam em tudo. A direção tira o melhor das duas atrizes. Os dois personagens já existiam em espetáculo anterior desse mesmo grupo, o Núcleo Educatho, que se chamava A Nova Roupa do Rei. Não assisti, mas leio que fizeram tamanho sucesso que os diretores resolveram repeti-los em João e Maria?. Que Danielle Barros e Nathalia Neme façam muitos outros espetáculos para o brilho de Grillo e Luzinete.
Já Kiara Sasso e Lázaro Menezes, a dupla de O Palhaço e a Bailarina, a meu ver, seguram as pontas de uma dramaturgia inconsistente, um fio de história que não se desenvolve, que não tem grandes reviravoltas, que não tem riqueza de leituras em camadas, que não surpreende em nada e, ao contrário, passa longe da novidade.
Kiara, no papel da doce bailarina Annabel, é uma atriz veterana de musicais como A Noviça Rebelde, Mamma Mia, A Bela e a Fera, O Fantasma da Ópera, entre outros, e encara aqui sua primeira direção e produção. O projeto é uma parceria com o ator Lázaro Menezes, que é quem assina o texto.
A personagem vive presa dentro de uma caixinha de música. Quem fez essa maldade com ela foi o domador Tombo (Marcelo Goes, em interpretação apenas correta), o vilão da história, com pouca chance de fazer verdadeiras maldades. O palhaço feito por Menezes, por sua vez, aparece bem mais, tem simpatia, carisma, faz mágicas, brinca como um Carlitos moderno, desce até a plateia e cantarola com segurança.
Mas, claro, nada que chegue perto da já consagrada e espetacular atriz de musicais Kiara, que canta divinamente. O que digo é que ele se defende muito bem ao lado da estrela, e ambos funcionam a contento juntos. Os números musicais se sustentam firmemente, embora com letras bem meladas nas canções e algumas com chavões imperdoáveis de romantismo batido. Mas ambos, Kiara e Menezes, valem o ingresso desse grandioso e vistoso espetáculo, graças a seus talentos de intérpretes. Não se trata de nada que vá marcar época no cenário de teatro infantil paulistano, de forma alguma. Mas é uma boa e honesta diversão, bem produzida por dois agradáveis entertainers. E isso não é pouco hoje em dia.
Serviços
João e Maria?
Teatro MuBE Nova Cultural
Rua Alemanha, 211, Jardim Europa – São Paulo
Tel. (11) 4301-7251
Sábados às 15h e domingos às 11h
Ingressos a R$ 40,00 (inteira) e R$ 20,00 (meia)
Até 1.º de maio