Priscila Camargo, à vontade no palco, confirma seu talento como contadora de histórias

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 02.05.2004

 

 

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Histórias da Mãe África: Valores e tradições de um continente em montagem caprichada na Laura Alvim

Fábulas e contos com muito charme e graça

Os cabelos encaracolados e as formas curvilíneas das mulheres, o gingado do samba e as várias oferendas a Iemanjá na passagem do ano são apenas alguns dos fatores que nos fazem lembrar constantemente da herança deixada por nossos ascendentes africanos. No espetáculo Histórias da Mãe África, em cartaz no Teatro da Casa de Cultura Laura Alvim, a atriz PrisciIa Camargo estabelece uma ponte entre as crianças e as singularidades desse distante continente, praticamente desconhecido por elas.

Boa contribuição de cenário, figurino e iluminação

Antes do começo da peça, já chama a atenção do espectador a beleza do cenário de Chico Spinosa: ele cria um ambiente acolhedor, reduzindo o palco com uma espécie de meia tenda transparente, que tem no fundo um criativo mapa da África e, nas laterais, duas grandes esculturas de madeira que representam negros das tribos africanas. Fora desse pequeno espaço, onde praticamente transcorre toda a peça, o palco é ocupado apenas pelos dois músicos e por uma caixa preta, de onde saem os adereços utilizados pela atriz durante o espetáculo. Spinosa também é muito feliz como figurinista, criando um modelo estilizado para Priscila Camargo que nos remete imediatamente ao universo africano.

Com o ambiente bem preparado, a atriz entra em cena muito à vontade para contar as nove histórias adaptadas por ela, a partir de fábulas e contos retirados das histórias tradicionais da África. Para ajuda-Ia, somente a presença de um simpático boneco, o Sotigui, que representa um griot – o contador de histórias africano. Mas nem toda a habilidade de Priscila é capaz de manter a atenção das crianças pequenas nos primeiros quadros do espetáculo, que exigem um nível de concentração e de intimidade com as palavras que elas ainda não têm. Para os pequenos espectadores, a peça começa a ficar mais interessante a partir da quinta história, “A raposa’ e a serpente”. Mas isso não tira o mérito dos textos escolhidos, que, sem dúvida, são muito interessantes para as crianças em idade escolar e para os adultos.

Direção resolve bem passagens entre as histórias

De uma forma geral, a montagem é muito feliz. Cacá Mourthé, na direção, resolve bem a movimentação da atriz nas trocas de personagens e nas passagens de uma história para outra. E esse acerto é fundamental para uma boa contação de histórias, principalmente quando se trata de um monólogo. Além disso, a diretora cria cenas muito graciosas, como aquela em que o griot fica sentadinho ao lado da atriz, ou a da conversa da hiena e da lebre na história “A pedra com barba”.

Outros fatores também contribuem com o bom andamento do espetáculo. Um deles é a sensível iluminação de Aurélio de Simoni, que vai pontuando com beleza as mudanças de clima propostas por cada história. A direção musical e as coreografias de Via Negromonte encontram bons intérpretes em Marcelo Daguerre, violão e arranjos, e Anderson
Vilmar, percussão, e em PrisciIa Camargo, que também está graciosa nos números de canto e dança.

Vale a pena levar as crianças para ver Histórias da Mãe África, uma montagem muito caprichada que, além de confirmar o talento de Priscila Camargo como contadora de histórias, revela-nos, de forma muito delicada, um pouco dos valores e das tradições dos habitantes do continente africano.