As crianças e a cidade iluminada com peças de montar, um dos momentos mais bonitos do espetáculo

Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 14.02.2004

 

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Escola de Anjos: Peça em cartaz na Sala Baden Powell aproxima as crianças de seu lado mais sombrio com leveza e atividade cênicas

Aprendizado e diversão com um belo visual

Eles não habitam a Terra nem o Céu. Vivem no limbo à espera do momento adequado para ganhar asas e virar anjos. Enquanto não atingem a perfeição, aprontam mil e uma na escola que os repara para o tão esperado dia. Afinal, não passam de crianças. Mais precisamente, seres humanos, com seus inevitáveis defeitos. Pendurados em tiras, e lançando mão de diferentes movimentos acrobáticos, os atores da companhia Nós nos nós – Tragédias e Comédias Aéreas, contam a história desses projetos de anjinhos no espetáculo Escola de Anjos, em cartaz na sala Baden Powell, aos sábados e aos domingos, às 17h.

Texto e direção com preocupação didática

O texto de Gamba Jr., autor diretor do espetáculo, tem uma preocupação claramente didática. Já nas primeiras cenas ele introduz uma chamada que é feita em ordem alfabética, um ótimo gancho para que a professora proponha aos seus alunos o estudo do alfabeto das boas ações. Da mesma forma, os personagens Medo, Violência, Egoísmo, Vaidade e Preguiça levam o público infantil a fazer contato com esses sentimentos. Diga-se de passagem, nem um pouco bem-vistos, mas pratica­mente inevitáveis nos seres humanos, sejam eles crianças ou adultos.

Sabiamente, o autor centrou a narrativa numa escola, onde todos sabem que se vai para ganhar algum tipo de conhecimento, amenizando o que poderia ser maçante na peça. E, como diretor, Gamba Jr. teve o maior capricho na parte visual do espetáculo. O fato de os atores ficarem o tempo todo pendurados, fazendo acrobacias, já é um atrativo para os pequenos. Mas, além disso, o cenário de Cláudio Bittencourt, que utiliza delicadas peças de antigos jogos de montar para compor a cidade, é uma graça. Principalmente na cena noturna, quando as casinhas são enfeitadas por pequenas luzes. Nesse momento, um dos mais bonitos do espetáculo, várias tiras brancas preenchem o espaço aéreo através da movimentação dos atores, criando um belo jogo visual. A simplicidade pode ser muito rica quando aliada à criatividade.

A iluminação de João Franco é fundamental no espetáculo. Totalmente sintonizada com o belo figurino de Marcelo Marques, ela acompanha as cores predominantes das roupas dos personagens em diferentes cenas. Como, por exemplo, nas canções em que cada um apresenta as suas características. Sendo assim, o fundo formado por um tecido branco, franzido em gomos, é banhado pela cor ama­rela, na cena do Egoísmo; pelo verde, na da Violência; pelo lilás, na do Medo; o que produz um ótimo efeito. As coreografias de Vânia Penteado e a trilha sonora de Paula Leal também estão perfeitamente adequadas ao clima do espetáculo.

Escola de Anjos, que tem a supervisão cênica de Osmar Prado, conta com a participa­ção da poderosa voz de Scarlet Moon de Chevalier, interpretando a professora. Em cena, os destaques são Carol Machado, vivendo uma Violência muito divertida, e Vânia Penteado, uma Vaidade muito graciosa e convincente. Gamba Jr, como Preguiça, Juliaria Féres, o Medo, e Claudio Bittencourt, o Egoísmo, também se saem bem nos movimentos acrobáticos, mas, como atores, não têm tanta empatia com as crianças quanto suas colegas de cena. Isadora Medella se desincumbem com facilidade do pequeno personagem do menino narrador.

Vale a pena levar as crianças para ver Escola de Anjos. Além de aprenderem, com muita leveza, a conviver com seu lado mais sombrio, elas certamente vão se divertir e se encantar com a beleza da montagem.