Crítica publicada em O Globo – Segundo Caderno
Por Marília Coelho Sampaio – Rio de Janeiro – 20.12.2003
Todo Mundo Tem, Todo Mundo É: Espetáculo promove o encontro das crianças com o bom teatro
Diferentes costumes do mundo em histórias e canções que encantam
Há várias maneiras de se contar uma história. Uns fazem isso de forma corriqueira, e outros, como os atores da peça Todo Mundo Tem, Todo Mundo É de uma forma muito especial. O espetáculo em cartaz no Teatro do Jockey/ Centro de Referência do Teatro Infantil, dirigido por Agnes Moço e Marcelo Mello, reúne nove histórias e 28 canções, de diferentes partes do mundo, que encantam crianças e adultos.
É curioso notar que em Todo Mundo Tem, Todo Mundo É, as histórias não ocupam o principal lugar no espetáculo. Isto porque há um desequilíbrio entre elas: umas são ótimas, no sentido de que são claras e de que prendem a atenção das crianças, como “Nem só as pessoas falam”, “O homem que teve que cuidar da casa” e “As três perguntas”. Outras, como “Os cegos e o elefante”, “A menina enterrada viva” e “O homem que venceu o medo”, já são mais complexas para o público infantil. Mas isso não diminui a beleza do espetáculo, porque elas todas são primorosamente contadas pelos atores. E o mesmo acontece com as canções, que têm sua qualidade nivelada pela interpretação do grupo.
Elenco jovem faz de tudo em cena
Um dos méritos da montagem é o fato de os atores fazerem tudo em cena. Eles trocam as peças do cenário, manipulam os adereços, cantam e tocam instrumentos como acordeom, violão, clarinete, trompete, entre vários outros de percussão. O jovem elenco vai se revezando em diferentes papéis ao longo do espetáculo que tem como narrador o ator e diretor Marcelo Mello, muito divertido em seus diferentes personagens, principalmente nas histórias já destacadas. Quanto ao trabalho do grupo, é tão coeso e bem feito que seria uma injustiça destacar um ou dois atores.
A parte técnica inclui profissionais de uma competência acima de qualquer suspeita, o que cada vez mais distingue o teatro infantil profissional daquele produzido por amadores. O cenário de Nei Madeira deixa o palco praticamente livre para a movimentação dos atores, sendo constituído apenas por uma pequena ilha no fundo do palco para os números em que os atores tocam juntos. Além disso, somente painéis laterais e singelas lamparinas, que, assim como os refletores da boca de cena, são cobertas por tecidos coloridos. O figurino, também de Madeira, é um primor: os trajes costurados a partir de retalhos de tecidos, e algumas vezes cobertos por mantos dourados, dão ao público a noção da universalidade das histórias, recriando costumes de diferentes países.
Brincadeiras infantis atraem o público
A preparação corporal e as coreografias de Paula Águas estão sintonizadas com o espírito lúdico que marca todo o espetáculo, incluindo em alguns momentos brincadeiras infantis que puxam a atenção das crianças para o palco. A iluminação de Renato Machado é fundamental para que a magia da contação de histórias tome conta do palco, assim como a direção musical e a preparação vocal de Agnes Moço e a direção de atores de Marcelo Mello.
Diante de um espetáculo, com tantas qualidades, pode parecer intransigência fazer algum tipo de observação. Mas, sem dúvida, Todo Mundo Tem, Todo Mundo É poderia ficar ainda melhor se tivesse menos 10 ou 15 minutos de duração. Cortar alguma coisa de uma peça tão bem feita pode parecer um crime, mas é, na verdade, uma necessidade. Não é por acaso que as peças infantis têm no máximo uma hora de duração. As crianças, principalmente as menores, não conseguem ficar muito mais tempo concentradas, por melhor que seja a montagem. A prova disso é que na última história elas já estão circulando pela plateia.
Mas nem isso diminui o encantamento de Todo Mundo Tem, Todo Mundo É, um espetáculo praticamente obrigatório para os pais que desejam promover o encontro de seus filhos com o bom teatro.