Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 12.07.1980

Barra

Nádia vale o ingresso

Em Chapeuzinho quase Vermelho o autor Luís Sorel fez um texto para desenvolver a história de uma menina, tomando como ponto de partida o clássico Chapeuzinho Vermelho. Mas o que o autor quis dizer, através da releitura de Chapeuzinho Vermelho, acaba não ficando muito clara. Na seleção de fatos para mostrar a trajetória da menina, o autor misturou coisas demais, e o texto acabou um tanto confuso: fala-se de medicina popular versus medicina industrializada; fala-se de uma sombra que não aguenta mais se submeter; fala-se de greve de ônibus; fala-se de um lobo que apenas quer um amigo, mas que na primeira oportunidade engana alguém que poderia ser sua amiga (Chapeuzinho); fala-se da necessidade de os velhos morarem sozinhos para manterem sua privacidade; fala-se de uma mãe repressora; fala-se de que só vence na vida quem concorda com o patrão;; fala-se de atores de tevê (um príncipe e uma princesa); fala-se de um marginal. E tudo isso não é amarrado de tal forma que dê consistência ao texto. Pelo contrário, o texto vem diluído, descosido muito disperso.

A concepção de espetáculo é que consegue dar maior interesse ao programa infantil. Há um charme na composição dos personagens; uma boa utilização do espaço; uma exploração eficaz do nonsense. O espetáculo, dirigido pelo autor, é bem bolado, criativo, agradável, com muitas tiradas inteligentes. Mas o resultado final se ressente da unidade, de harmonia; o espetáculo carece de senso de medida para evitar que certas cenas deixem de funcionar simplesmente porque se alongam demais; e falta uma certa lubrificação entre as partes para que uma cena suceda a outra com certa fluidez, e não aos saltos, como numa projeção de slides. O texto foi estruturado com muita conversa e pouca ação; e o diretor não movimentou o espetáculo de tal modo que compensasse essa falha.

Uma das boas coisas do espetáculo é a firmeza do elenco, mas a montagem explora pouco o potencial das atrizes, todas bailarinas. Os números musicais não se integram à encenação, não são ligados à ação dramática: se fossem retirados, não fariam a falta ao espetáculo. Parece-me que o tom mais preciso para a encenação seria a partir do corte dado pela avó (Ângela Vieira) quando canta as “Cantoras do rádio”, quebrando um clima e impondo outro. Ao invés disso ser um detalhe da montagem, talvez se fosse a tônica, o espetáculo funcionasse mais.

A grande justificativa para o público assistir a Chapeuzinho quase Vermelha, entretanto, é a presença de Nádia Nardinha (como Chapeuzinho), atriz que vem dando grandes saltos de um trabalho para outro. Com perfeito domínio das situações, com excelentes momentos de humor (é engraçadíssima a cena em que Nádia se crucifica), com uma vivacidade, uma energia e uma soltura corporal, é ela quem desperta a atenção do espectador. A anotar, também, o bom trabalho de Ângela Vieira (avó) e de Lúcia Beatriz (como Princesa).