Elaine da Silveira e Pedro Paulo Café: tarefa cumprida corretamente


Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 28.04.1979

 

Barra

Por onde anda o trem da fantasia?

Sylvia Orthof parte de uma boa ideia, em Zé Vagão da Roda Fina e Sua Mãe Leopoldina: a partir de um trem (Sou uma mãe de ferro) ela discute as características da supermãe que exige que seu filho ande sempre dentro dos trilhos; mostra a consequência de uma mãe superprotetora (repressora): a criança quer crescer depressa, raciocinando, deformadamente, que para obter sua autonomia e sua identidade será necessário abrir mão da infância; e, finalmente, revela que para crianças que crescem (mal) educadas pelas supermães e que só se sensibilizam de modo imediatista pelos estímulos da bruxa com o sugestivo nome de Jubilosa, o futuro será fechado, triste e incoerente: repetirão, com seus filhos, todas as atitudes que achavam negativas em seus pais.

Quando Sylvia Orthof montou, em 1976, a peça Eu Chovo, Tu Choves, Ele Chove fiz o seguinte comentário: “Pode parecer, à primeira vista, que as peças de Sylvia são uma chata aula de filosofia de vida: algo educativo, rígido, frio e sem graça. Pelo contrário. A fantasia está presente em todos os momentos, seja através dos personagens, seja através das situações propostas. E principalmente através da montagem, na qual se desenvolve todo o seu senso plástico e de musicalidade”.

Essas observações vêm muito a propósito na hora de se analisar o espetáculo encenado pelo grupo GAMA, de Nova Friburgo, no Teatro Vanucci. Na realidade temos um espetáculo correto; mas frio. A concepção de Júlio César Cavalcanti não trabalha com a fantasia, com a plasticidade e o espetáculo carece de charme, de envolvimento. Falta uma percepção poética do texto; falta a criação de climas envolventes; falta a criação de um elo de ligação que aproxime a plateia infantil dos personagens. O que talvez caracterize melhor essas ausências, de modo mais abrangente e sintético que todas essas teorizações acima, seja a frase de uma criança sentada ao meu lado, com cara de quem comprou um doce e acabou sem comê-lo: “Mãe, cadê o trem?”. O Extremamente simpático cartaz da peça cria o tom, o envolvimento e a cumplicidade que o espetáculo não transmite. Para isso, concorrem vários fatores; personagens pouco explorados, impedindo um maior interesse (aliás, continuo insistindo na tese de que, principalmente para crianças, é fundamental a adequação dos tipos físicos); figurinos que nada acrescentam em termos de informação ou de expressividade; o cenário – apenas um bonito pano de fundo; as marcações repetidas; a coreografia bem pouco imaginativa; a música, que, apesar de conter um clima infantil, não colabora para um maior pique de encenação, ajudando sempre a manutenção de um tom neutro; os adereços muito feios; e uma luz sempre aberta, num espetáculo que se repete muito visualmente: a luz poderia fechar certas áreas, valorizando determinados momentos e produzindo climas que a direção não criou.

O elenco, formado por Rose Vieira, Elaine da Silveira e Pedro Paulo Café, apesar de limitado por uma linha muito restritiva aos personagens, cumpre corretamente suas tarefas. Certamente renderia melhor numa concepção mais solta, mais alegre, mais jubilosa.