Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 24.03.1979
Um lobo cego e burro pensa que o público é burro e cego
Observação um: na peça Os Porquinhos, um lobo faminto foge do zoológico e toma o caminho da floresta. Com muita fome, o lobo tem o desejo de encontrar os três porquinhos e come-los.Os porcos são avisados da iminente chegada do lobo e quando resolvem se esconder percebem que não há mais tempo, pois o inimigo está muito próximo. Os porquinhos, então, deitam-se no chão da floresta para fingir que são uma pedra. O lobo, faminto – não esqueçamos nunca disso – chega e, cansado, senta-se sobre a pedra. Ele é faminto, é lobo, está com fome, mas não tem o menor faro. E, além do mais, é praticamente cego, coitado, pois os porquinhos não se cobriram de nada, não se pintaram, não fizeram qualquer disfarce: simplesmente se deitaram juntos dizendo que eram uma pedra. O lobo, cego e sem faro, acredita. Agora é muito difícil que o público tenha acreditado neste lobo sem olfato e sem visão, já que o fugitivo do zoológico tinha olhos e nariz em perfeitas condições. O lobo – vejam vocês – chega a ver apedra se movimentando e nem desconfia; além de cego e sem faro, o lobo é extremamente burro.
Observação número dois: numa peça totalmente sem pique e sem interesse, com uma total dispersão das crianças pela platéia, há um intervalo para que se mude o cenário. Mas o que muda é tão pouco que qualquer pessoa dotada de um pouco mais de vontade de fazer funcionar a sua imaginação acharia uma solução adequada que não levasse a interrupção do espetáculo. Pois bem: durante o segundo ato, a cortina volta a se fechar duas vezes par que novas mudanças de cenário sejam realizadas. Agora imaginem se, num teatro, sempre houvesse uma interrupção da peça quando fosse preciso mudar o cenário…
Observação três: o lobo derruba as casas dos porquinhos para comê-los. Mas, logo depois que a casa é destruída o lobo se esquece disso; deixa os porcos fugirem e se preocupa apenas em pegar a casa e carrega-la para fora do palco.
Observação quatro: um dos porcos resolve fazer uma casa com galhos de árvores. O outro pergunta, muito inteligente: Ah, é? E onde você vai arrumar os galhos? (lembro que estão numa floresta!).
Observação cinco: o cenário da floresta mostra cactus ao lado de coqueiro e macieira.
Observação seis: os figurinos são improvisados no mais profundo mau gosto.
Observação sete: os atores não sabem falar português. Anotei algumas pérolas do linguajar do elenco: vocês tampa os olhos e vai atrás; saiam logos daí; Se você fazer uma mágica eu acredito.
Observação oito: as peças escritas, dirigidas e produzidas por Roberto de Castro e seu grupo Carroussel vêm mantendo os mesmos erros há anos e não há qualquer perspectiva de mudança. Ele faz qualquer coisa porque sabe que o público vai mesmo. Pela leitura das observações feitas nota-se claramente que o problema não é o de falta de inteligência ou de talento. O que falta mesmo é um mínimo de respeito pelo público.