Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 22.04.1978
Um leiteiro de boas intenções
Ao escrever sobre uma peça sigo algumas coordenadas, destacando-se, entre elas, a de não perder de vista, nunca, a informação para o leitor; e a de estimular aqueles que têm, como alvo, a realização de um bom trabalho para as crianças. Às vezes, como acontece agora com O Leiteiro e a Menina-Noite, de João das Neves, em cartaz no Tereza Raquel, pode parecer que a crítica, para melhor informar o público, acabe desestimulando aqueles que procuram realizar um bom trabalho. Esta conclusão, entretanto, é muito superficial, pois se há pessoas motivadas a uma atuação eficaz e expressiva, tais pessoas, certamente, saberão receber de braços abertos às avaliações, dispondo-se a reformular tudo aquilo que não tenha alcançado os objetivos pretendidos.
No caso específico de O Leiteiro e a Menina-Noite o equívoco central está na falta de clareza. A encenação de Jorginho de Carvalho (sua estreia na direção) cria imagens e movimentos que, ao invés de servirem para esclarecer e ampliar o texto, conseguem apenas mostrar um texto muito confuso, determinando uma ação confusa, também. Falta clareza de intenções, falta ênfase para os momentos mais significativos. Até que se chegue ao que talvez seja a fala-chave da peça (“A culpa é da gente que deixa tudo acontecer”) a montagem já perdeu seu interesse. Para isso contribui, além da falta de uma ideia clara por parte da direção, o trabalho pouco feliz de Carlos Wilson Silveira nos cenários e figurinos. Não há unidade visual. Além disso, a coreografia é bastante pobre, com movimentos e gestos óbvios como, por exemplo, se abraçar quando o texto fala de abraços e de apontar os olhos quando se fala de olhos. De todos os elementos que fazem parte do espetáculo apenas a música de Nelson Wellington e a iluminação do próprio Jorginho conseguem alcançar resultados satisfatórios. O elenco tem uma atuação que se poderia classificar de neutra, destacando-se, apenas, Dirceu de Campos, como Misterioso.
O texto de João das Neves, pelo que consegui perceber, tenta mostrar, às crianças, que só existem carrascos quando as vítimas permanecem acomodadas. Isso, porém não é mostrado de modo agressivo, mas com uma linguagem muitas vezes poética. Para analisar o texto, entretanto eu precisaria tê-lo nas mãos, pois não dá para perceber seu desenvolvimento no espetáculo em cartaz no Tereza Raquel. É possível até que o espetáculo seja confuso porque o texto também o seja. Neste caso faltou, à direção, a descoberta de uma chave que o tornasse claro.