A imagem é a marca de Ensaio, no SESC

O elenco de Ensaio nº 2 – O Pintor: estreantes e alunos de escolas de teatro numa reflexão sobre o drama

Crítica publicada em O Globo
Por Rita Kauffman – Rio de Janeiro – 18.07.1985

 

Barra de Divisão - 45 cm

Em ‘Ensaio’ cada cena é um quadro

Para quem estranhar os horários noturnos de Ensaio nº 2 (de quinta a domingo, às 21 horas, além de sábados e domingos, às 17 horas), a diretora Bia Lessa, paulista, 27 anos, dá a seguinte explicação:

– Como em A Terra dos Meninos Pelados, que também apresentamos aqui no SESC, em Ensaio nº 2 usamos um texto para crianças, com um tratamento que permite várias leituras. Acredito que não haja um teatro “infantil”; se o espetáculo é bom, é tanto para crianças quanto para adultos.

Ano passado, depois de A Terra dos Meninos Pelados, que marcou sua estreia na direção a atriz Bia Lessa dirigiu o Ensaio nº1, no Teatro Delfin, com textos de Sérgio Sant’Anna que visavam questionar a linguagem teatral. O trabalho, considerado promissor pela crítica e financiado pelo Sesc, em troca de oficinas e aulas para os seus grupos amadores, valeu a Bia Lessa o convite para apresentar um programa de ocupação do espaço teatral do Sesc da Tijuca e a possibilidade de continuar uma trajetória de descobertas e dar alguns passos à frente. Se em Ensaio nº 1 havia uma grande preocupação com a imagem visual, este segundo ensaio busca a interpretação, o aprimoramento do trabalho de ator. Bia Lessa esclarece:

– Minha marca é a imagem e em Ensaio nº 2 busco aprofundar a questão das artes plásticas no teatro, fazendo de cada cena um quadro. Fiquei fascinada pelo texto da Lígia Bojunga: 7 Cartas e 2 Sonhos, que conta a relação de um menino de dez anos com seu vizinho, um pintor que se suicida por estar insatisfeito com seu trabalho. Mas convencer Lígia a ceder os direitos e se interessar pela adaptação foi trabalho muito duro.

Para Lígia Bojunga, autora entre outros de A Bolsa Amarela, Os Colegas, A Corda Bamba, Angélica e A Casa da Madrinha e que, em 1982, foi o primeiro autor do Terceiro Mundo a receber a medalha Hans Christian Andersen, conferida pela Organização Internacional para o Livro Infantil e Juvenil, ver seus personagens no palco não era uma ideia muito atraente, em especial por causa do tratamento “infantilóide” dado por um bom número de produções às montagens infantis. Segundo a autora e adaptadora, a determinação e o talento de Bia Lessa fizeram-na rever a posição e seu envolvimento com Ensaio nº 2 – O Pintor foi tão intenso que participou de suas várias etapas, desde a leitura até os ensaios.

Aos poucos monta-se um acervo, a ponte para outros ensaios

A produção pode ser considerada pobre: Cr$ 1,5 milhão. “A gente costumava se matar para montar uma produção e depois o dinheiro que entrava era para pagar as dívidas. Agora, assumimos a pobreza”. Trabalhando, no mínimo oito horas por dia em Ensaio nº 2, Bia Lessa cercou-se de uma forte equipe técnica, contando ainda com a assessoria de Ângela Leite Lopes, que no momento está na Sorbonne para defender a tese O Trágico em Nelson Rodrigues. Para Bia Lessa, que se diz uma pessoa pouco culta, ter o apoio teórico de Ângela foi fundamental porque, além de indicar a bibliografia como fonte de consulta, ela funcionou como “advogado do diabo”, mostrando os erros que as pessoas normalmente envolvidas com o espetáculo não percebem e “chamando às falas quando se pensava em suavizar a narração”.

Há oito meses trabalhando em cima do Ensaio nº 2, Bia só conseguiu definir o elenco recentemente. Na maioria composto de estreantes, é encabeçado por Léo Tomasini, menino de dez anos, descoberto no Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT), de onde a mãe de Bia é uma das fundadoras. De lá também saíram Fernanda, irmã de Léo, e Suzana Castro, que está cursando a última série do Segundo Grau. Outra artista mirim, 11 anos, é Ana Gabriela, trazida do Coro Infantil da Funarj por Caíque Botkay, que, com Joaquim de Paula, assina músicas e a direção musical. Ana participou ano passado da ópera infantil de Britten, O Pequeno Limpador de Chaminés, apresentada no Municipal. Os demais integrantes do elenco foram recrutados nos cursos de teatro da Casa de Artes Laranjeiras (CAL) e da Unirio, onde participaram de montagens amadoras.

Um fato curioso sobre a formação da equipe técnica é narrado pelo iluminador Luís Paulo Neném (assina as iluminações de C de Canastra, Cabaré Infantil e Cegonha? Que Cegonha…?, todas em cartaz, que já havia trabalhado com Bia Lessa em A Terra dos Meninos Pelados e Ensaio nº 1.

– A Bia já havia resolvido não me chamar porque não tinha dinheiro para pagar meu trabalho. Um dia, muito envergonhada, ela passou lá em casa e, sem graça, perguntou se eu podia assumir porque ela achava que não tinha competência para fazer a luz.

É também na base do entusiasmo que Bia está montando um acervo de objetos e materiais para este e para os próximos Ensaios, com doações. Com a perspectiva de poder trabalhar no Teatro do Sesc nos próximos dois anos, a diretora pretende ter pronto até outubro seu Ensaio nº 3.

– Cada espetáculo é uma ponte para o outro. Vai-se assim criando nossa companhia teatral, conclui Bia.

Ficha Técnica
Texto e Adaptação: Lígia Bojunga Nunes
Direção: Bia Lessa
Assistente de Direção: Fernando Lyra
Música e Direção Musical: Caíque Botkay e Joaquim de Paula
Cenários e Figurinos: Fernando Mello da Costa
Assistente de Cenário e Figurino: Heloísa Stelita
Preparação Corporal: Sílvia Kirschbaum
Iluminação: Luís Paulo Neném
Produção Executiva: Alexandre Ferreiro
Assessoria Teórica: Ângela Leite Lopes
Programação Visual: Fernando Mello da Costa e Paula Gordilho (quadros do pintor)

Elenco
Ana Gabriela, Carolina Virguez, Fernanda Tomasini, João Salles, Léo Tomasini, Magda Moura, Paulo Miranda, Suzana Castro e Wagner Coelho.

Legenda Foto 1: O elenco de Ensaio nº 2 – O Pintor: estreantes e alunos de escolas de teatro numa reflexão sobre o drama.

Legenda Foto 2: A imagem é a marca de Ensaio, no SESC