Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 02.09.1978

Barra

La Fontaine: andando para trás 

Para as pessoas que vêm acompanhando nítida evolução do teatro infantil no Rio de Janeiro o fato de assistir a Fábulas de La Fontaine, no Teatro Vanucci, significa entrar em contato com quase esquecidos ranços do passado. Não se entende mais, hoje em dia, que se tire uma criança de casa, levando-a para um teatro e, durante a peça, bombardeiem-na com frases desse tipo:

– Oh… vocês estão aí?
– Agora, repitam comigo… Não! Está fraco! Mais forte!
– Quem se alimentou bem antes de vir para o teatro?
– Crianças, comam verduras.
– Vamos acompanhar a banda. Assim…
– Vamos chamar a comadre Tartaruga.
– Vamos contar de 10 a 1. Quem sabe contar aqui?
– Então vamos torcer cantando Atirei o Pau na gata.
– Agora vamos dar um intervalo para que os papais de vocês vão até o bar e comprem refrigerantes e balinha (um tipo de comercial bem malicioso, pois leva a criança a exigir o sugerido pelo moço da peça, praticamente obrigando o pai a comprar).
– Devo ir para cá ou pra lá?
– Vamos acordar o leão? Então vamos lá! Bem Alto!
– A melhor coisa do mundo é ser bom.
– E agora, vamos dar um beijo no papai porque trouxe você para ver essas maravilhosas histórias.

A base de todos os equívocos trazidos por Fábulas de La Fontaine é a adaptação feita por Jorge Paulo. O trabalho é o que há de menos teatral, Jorge Paulo cria a figura do narrador e muita coisa é contada par as crianças ao invés de ser mostrada. Ora, se é para ouvir, basta à criança pegar o livro em casa. Depois de contar algumas coisas o Narrador diz: E agora vamos ver o que está acontecendo. Mas a ação teatral mostrada é tão pobre, tão pouco expressiva dramaticamente que, às vezes, dá até vontade de voltar a ouvir o Narrador. A produção é razoavelmente cuidada, mas não consegue compensar as falhas do texto e da direção. O espetáculo não tem climas, não tem ritmo, falta-lhe pique, falta-lhe charme. Além do mais, há uma completa indefinição no aspecto visual. Enquanto há um interessante figurino (tartaruga) há roupas muito feias como as do macaco e do rato. O cenário, bem pouco imaginativo, mistura-se desnecessariamente com elementos da peça para adultos. A História é uma história. Em certo momento o texto fala em um lindo e forte leão e o que o público vê está bem longe disso.

Quando vi o espetáculo, sábado passado, o elenco esteve visivelmente prejudicado pela ausência da pessoa responsável pela música. Isso fez com que o espetáculo ficasse um pouco chocho, pois os atores foram obrigados a cantar com uma pianista que se ofereceu para “quebrar o galho”, mas que, evidentemente, não tinha domínio do trabalho. Desta forma, é difícil avaliar o trabalho dos atores, mas pode-se constatar que o estilo de representação é tão antigo quanto às frases citadas no início.

Para quem gosta de levar o filho ao teatro para receber lições; para fazê-lo berrar para acordar personagens sempre muito sonolentos; para dizer se o personagem deve ir “pra cá ou pra lá”, e para aprender a original verdade que “é bom ser bom”, a peça no Teatro Vanucci é um prato feito.