Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 04.03.1978
Quem é pior? O homem ou o diabo?
A primeira grande dificuldade visível para a montagem de As Aventuras de um Diabo Malandro é a absoluta falta de recursos do Teatro da Gávea. Para trabalhar num espaço de dimensões tão reduzidas o diretor tem duas opções bem definidas: ou aceita as limitações do palco e faz um trabalho carente de recursos, ou rompe com este espaço e cria uma nova relação palco-plateia. No caso de As Aventuras de um Diabo Malandro, de Maria Helena Kühner, o diretor Jota Diniz preferiu a primeira alternativa. Desta forma, a montagem se caracteriza pela pobreza cênica: as movimentações são limitadas e repetitivas; a ausência de cenário e de adereços retira um dos mais fortes elos de comunicação entre a criança e o espetáculo teatral, que é o envolvimento com a carga visual da peça. Neste caso, inclusive, há propostas do texto que enriqueceriam o trabalho e não são levadas em consideração; a chegada dos homens ao novo planeta; o farto banquete; a chuva de frutas etc. Jota Diniz não se preocupou em descobrir uma solução que compensasse essas ausências: preocupou-se apenas em narrar a história escrita por Maria Helena. E a história é, na realidade, o ponto mais fraco de todo o texto. A própria autora chama a atenção para isso, ao escrever uma observação antes da peça: “O texto que se segue não é uma peça acabada, mas apenas uma sugestão ou roteiro básico, a ser completado pela inventividade do diretor e atores. A improvisação, portanto, à la Commedia dell’Arte, será o tom geral da montagem”.
A encenação que vemos, no teatro da Gávea, não foi completada pela inventividade e nem tomou o tom proposto de Commedia dell’Arte. Ficamos apenas no roteiro básico; ou na sugestão.
O texto de Maria helena Kühner parte de uma trama ingênua e até certo ponto arbitrária para tentar discutir algumas ideias que estão presentes no nosso cotidiano. Discute-se a existência das pessoas-comandantes, cuja preocupação principal é arranjar em quem mandar; discute-se a existência de pessoas-capitolinas, que só se preocupam em ter o poder, posses, dinheiro; discute-se a maldade dos homens, desenvolvida a tal ponto que deixou a já tradicional maldade do diabo absolutamente desacreditada; o diabo já não consegue causar medo em ninguém – mas os homens causam; discute-se a agressividade do mundo moderno, onde “o diabo anda é de espada”.
Entretanto, nada disso é enfatizado pelo espetáculo, que se preocupa, apenas, em contar o que a própria autora chama de “sugestão”. Das limitações do palco às limitações da direção, salva-se o elenco que, se não chega a brilhar, pelo menos cumpre com eficácia a sua tarefa (limitada) de apenas contar uma historinha. Conversando com uns atores ao final do espetáculo, comentei que a maior dificuldade estava nas limitações do palco. Cheguei a dizer: “Aqui não se pode fazer muita coisa mesmo”. Depois, pensando melhor e revendo o texto, voltei atrás. Se a direção tivesse ousado e se tivesse utilizado mais a imaginação, a montagem poderia chegar a um resultado mais vivo, mais rico, mais comunicativo.