Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 03.12.1977

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Último dia de Terra-ronca

Terra-ronca é, antes de mais nada, um trabalho visualmente muito bonito e de grande força poética. Além disso, mostra uma aventura que “não tem vilão” e onde os personagens se dispõem a explorar o desconhecido na busca dos enigmas trazidos pela vida. Apesar dessa leitura mais complexa da proposta, em momento algum o espetáculo ameaça ser hermético; ele é gostoso, alegre, movimentado. Ele é simples e a leitura feita pelas crianças fica no nível mais imediato. Ou seja: “vamos procurar o que causa esse ronco debaixo da terra”. Isso, evidentemente, vai estimular, em cada espectador em formação, o impulso de procurar respostas para tudo o que não entende. Nesse ponto, a peça de Maria de Lourdes Martini aproxima-se bastante da montagem anterior do grupo: Azul ou Encarnado, de Maria Arminda de Aguiar.

O texto de Maria de Lourdes tem algumas armadilhas e a montagem às vezes consegue se livrar delas; mas, às vezes, cai. Na ausência de uma trama, o texto tem sua base nas canções. O trabalho musical de Beatriz Bedran é, mais uma vez, teatralmente eficiente e com um agradável toque de singeleza, mas isso não impede que em certos momentos falte um pouco de vitalidade e a encenação se arraste. Fator que contribui um pouco, para isso são as partes soladas: exceto o solo feito pela “madrinha da tropa”, todos os demais deixam a desejar e se tornam, inclusive, contraditórios dentro da linha de bom acabamento que caracteriza os trabalhos do grupo Quintal. Entretanto, nos momentos em que o coro canta, alcança-se um bom nível de interpretação musical.

A encenação da própria autora vive de climas, de envolvimento de musicalidade. Desta vez ampliou-se mais o pequeno espaço do teatro Quintal, com a utilização de rampas criando um nível superior. Com isso, consegue-se uma movimentação mais rica. A força visual e poética do espetáculo existe em toda a peça, mas chamo a atenção para dois momentos; a formação da Igreja e “Nossa Senhora lavava na beira do rio”. O elenco atua num mesmo clima e consegue passar bem e o que pede o espetáculo. (Nesse particular, Terra-ronca assemelha-se muito a José de Maria).

É uma pena que o grupo Quintal não venha ao Rio com essa peça. Desta forma, amanhã, às 16 horas, começará a última apresentação de Terra-ronca. Esse é um bom programa para quem quiser dar um passeio em Niterói. Hoje não tem espetáculo.

Terra-ronca
 obteve quatro indicações para o Troféu Mambembe; autor, diretor, produtor e prêmio especial (música de Beatriz Bedran).