Crítica publicada em O Globo
Por Clovis Levi – Rio de Janeiro – 09.07.1977
A Gaiola de Avatsiú tem uma arara conformista
Juntando-se a Cantarim de Cantará, A Gaiola de Avatsiú é mais uma peça que oferece a criança carioca, os estímulos necessários ao exercício da liberdade. Os dois espetáculos tratam de pássaros e de prisões; e ambos utilizam a gaiola como símbolo do fechamento. Elemento importante e a utilização das taquaras, ao mesmo tempo asa e grades: ao mesmo tempo liberdade e prisão. Há, aí, novo ponto de contato com Cantarim, quando o texto de Sylvia Orthof mostra “que aquilo que serve para fechar serve para abrir”. Ou seja: esta nas nossas mãos como utilizar os mecanismos existentes. Podemos usá-lo para uma atitude aberta como para um comportamento fechado. Aí entra a participação da Arara.
A Arara conformista não quer sair da gaiola. Ela quer paz, quer sossego, quer segurança. Porque vou sair daqui – ela pergunta – se Avatsiú me alimenta e cuida de mim? Ela não admite a existência de uma vida onde entre o imprevisto; o inesperado, a aventura, o conhecimento através da experiência. A Arara advoga uma vida sempre igual, sem graça, mas em perfeita segurança. Ela quer uma vida onde as cartas já estejam previamente marcadas. Ele prefere não ser infeliz ao invés de procurar ser feliz. A Arara é o personagem-chave. E a partir dela que as crianças podem estabelecer paralelos claros entre as duas posições perante a vida, suas vantagens e desvantagens; qual a atitude que transa a energia vital e qual a que muita se relaciona apenas com a indiferença.
Neste belo e muitas vezes envolvente espetáculo, o que desagrada é o final brusco e insuficiente preparado. A proposta de que o canto – unido – arrebenta as grades, não se concretiza de modo muito claro cenicamente. E certo que os pássaros poderiam ter se libertado desde o início, bastando apenas a conscientização, pois quando se acredita no que se quer, a vontade vira verdade. Mas é exatamente esse momento que a montagem não esclarece suficientemente. E além do mais, porque Avatsiú fica tão passivo?
Os elementos visuais do espetáculo criam um clima propício a ação da peça. Mas não apenas os visuais: também os sonoros. Os pios enriquecem a atmosfera e as músicas são de muita beleza. No elenco, correto, destaca-se Regina Linhares, como Arara. Evidentemente explorando o papel de maiores possibilidades, Regina Linhares realiza um trabalho muito comunicativo, solto e seguro.
A Gaiola de Avatsiú, uma criação coletiva do grupo Hombu, é um espetáculo que se recomenda às crianças. E, também aos pais. Principalmente aqueles que gostam de guardar (ou será prender?) seus filhos em belas gaiolas, criando futuras araras conformistas.